Cartão corporativo: forma preferencial de pagamento de contratações diretas por valor

Nova Lei de Licitações

A Lei nº 14.133/2021 prevê, no artigo 75, § 4º, que “as contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente pagas por meio de cartão de pagamento, cujo extrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP)”.

As contratações de que trata o art. 75, I e II são aquelas realizadas diretamente, por licitação dispensável, em razão do valor do contrato.

Assim, os pagamentos referentes a (i) contratações de compras e serviços de valor inferior a R$ 54.020,41 e (ii) contratações de obras, serviços de engenharia e serviços de manutenção de veículos de valor inferior a R$ 108.040,82 devem, preferencialmente, ser feitos por meio de cartão de pagamento.

A previsão normativa tem dupla função: ampliar a eficiência administrativa e produzir a celeridade de pagamentos bem como, ampliar a transparência e o controle dos gastos da Administração Pública sem licitação prévia.

Deve-se destacar, inicialmente, a distinção entre forma de contratação e forma de pagamento. A forma de contratação, nesta hipótese, será a direta, por licitação dispensável. A forma de pagamento, dentre as juridicamente possíveis, será dará, preferencialmente, por meio de cartão de pagamento.

Você também pode gostar

O segundo aspecto a ser destacado diz respeito à natureza da conduta preconizada na norma. Trata-se de conduta inerente à competência discricionária do órgão ou entidade. Ao aludir a “preferencialmente”, a lei está a recomendar uma via de pagamento que pode produzir vantagens para a Administração, mas não é de atendimento obrigatório pela Administração, caso não tenha condições técnicas, materiais ou de recursos humanos para fazê-lo.

Em outros termos, se houver justificativa adequada, o órgão ou entidade poderá deixar de realizar tais pagamentos pela via do cartão.

De outra sorte, a referida norma não tem caráter de norma geral. Trata-se de determinação específica direcionada para órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal. Explica-se: em razão do princípio federativo, a União não pode editar norma, de cumprimento obrigatório, relativa a aspectos administrativos e operacionais – forma de pagamento – inerentes à competência administrativa dos demais entes da federação, e dos respectivos Poderes.

Assim, cada entidade da federação, e mesmo, cada Poder, pode (i) definir a forma de pagamento que reputar mais adequada; e, (ii) editar norma regulamentar (decreto, portaria, resolução, instrução normativa) para disciplinar os requisitos e as hipóteses de cabimento de pagamento pela via do cartão.

Sob o aspecto processual, mesmo no caso de previsão de pagamento pela via do cartão, a contratação direta em razão do valor será precedida do devido processo e cumprimento dos requisitos previstos no art. 72, da Lei nº 14.133/2021:

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;

III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;

IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;

V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;

VI – razão da escolha do contratado;

VII – justificativa de preço;

VIII – autorização da autoridade competente.

Cumpridas as exigências legais, será formalizada a contratação e executado o objeto do contrato.

O objeto contratual será recebido, provisória e definitivamente, a depender do caso (o que implica a liquidação da despesa, nos termos do disposto no art. 62 da Lei nº 4.320/1964).

Após o recebimento definitivo, estará autorizado o pagamento, que poderá se dar pela via do cartão corporativo, nos termos de regulamentação específica. Atente-se para que, assim deve ser, em face da disposição legal expressa que determina que qualquer pagamento, em regra, será precedido da devida liquidação da despesa.

Há duas exceções a esta regra.

A primeira delas são os casos em que a Lei autoriza o pagamento antecipado, consoante disposto no art. 145 da Lei nº 14.133/2021:

Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.

1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.

A segunda exceção à regra geral que determina que o pagamento por execução contratual deve ser precedido da liquidação da despesa, é o caso de contratações verbais, pelo regime de adiantamento.

A citada Lei nº 14.133/2021 dispõe, no art. 95, § 2º, que “é nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a” R$10.804,08.

Estas despesas serão realizadas pelo regime de adiantamento ou de suprimento de fundos, previsto no art. 68, da Lei nº 4.320/1964: “o regime de adiantamento é aplicável aos casos de despesas expressamente definidos em lei e consiste na entrega de numerário a servidor, sempre precedida de empenho na dotação própria para o fim de realizar despesas, que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação”. Por processo normal de aplicação entenda-se contratações que não possam ser precedidas de licitação ou de processo de contratação direta.

O cartão de pagamento pode ser utilizado, portanto, para satisfação de obrigação de pagar em 2 situações jurídico-materiais absolutamente distintas e inconfundíveis: no caso de contratação direta em razão do valor, e no caso de contratação verbal sob regime de adiantamento.

Cada uma destas formas de contratação (contratação direta em razão do valor e contratação verbal pelo regime de adiantamento ou suprimento de fundos) tem aplicação distinta e específica.

A contratação pelo regime de adiantamento, para satisfação de necessidades permanentes da Administração deve ser evitada, e adotada apenas não for possível juridicamente ou não for viável economicamente a via da contratação direta por licitação dispensável.

Não são, assim, automaticamente intercambiáveis as hipóteses de contratação direta ou de contratação pelo regime de adiantamento ou suprimento de fundos. A adoção de um ou outro modelo deve ser justificada pela Administração.

A contratação pelo regime de adiantamento ou de suprimento de fundos deve ser utilizada em caráter excepcional, para atender despesas que não possam aguardar o tempo necessário para o ciclo normal de um dispêndio (licitação ou contratação direta), seja pelo seu caráter anormal, seja pela urgência de atendimento da necessidade pública.

Confira-se a posição do Tribunal de Contas da União a respeito do tema:

9.2.4. a utilização de suprimento de fundos para aquisição, por uma mesma unidade gestora, de bens ou serviços mediante diversas compras em um único exercício e para idêntico subelemento de despesa, cujo valor total supere os limites dos incisos I ou II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, constitui fracionamento de despesa, situação vedada pelos referidos dispositivos legais (cf. item 5.7 do relatório de auditoria) (Acórdão 1276/2008-Plenário.)

4.6.4 Evitar a utilização de suprimento de fundos para aquisição de bens e serviços mediante diversos procedimentos em um único exercício e para idêntico subelemento de despesa, cujo valor total supere os limites dos incisos I ou II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, situação essa que configura fracionamento irregular de despesa. (AC 1885/2009-Plenário.)

Em resumo, pode-se concluir, então, que:

  1. O uso do cartão de pagamento é preferencial a outras modalidades de pagamento no caso de contratações diretas em razão do valor;
  2. Esta norma não tem natureza de norma geral, ou seja, não é vinculante para Estados, Municípios e Distrito Federal e para os seus respectivos Poderes;
  3. Não tem natureza de norma geral porque disciplina aspecto meramente procedimental relacionado à competência administrativa discricionária dos entes federados;
  4. Estados, Municípios, Distrito Federal e seus respectivos Poderes têm a competência para disciplinar a forma de pagamento pela execução dos contratos celebrados;
  5. A regulamentação da norma por parte de Estados, Municípios, Distrito Federal e seus respectivos Poderes pode ocorrer pela via de decreto, portaria, instrução normativa ou outra norma com caráter infralegal;
  6. A norma regulamentar será adequada à concreta situação jurídica, material, orçamentária, financeira e administrativa do órgão ou entidade pública;
  7. Os órgãos e entidades federais, sujeitos a esta norma, mediante justificativa técnica, poderão deixar de realizar o pagamento pela via do cartão;
  8. Não se pode confundir forma de contratação com forma de pagamento, eis que se trata de institutos jurídicos distintos;
  9. No caso das contratações diretas por licitação dispensável em razão do valor, o pagamento pela via do cartão será precedido do regular e adequado processo de contratação direta e da regular liquidação da despesa;
  10. O valor máximo para pagamento pela via do cartão no caso das contratações diretas previstas nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021 é o limite para a licitação dispensável;
  11. O cartão pode ser utilizado para pagamento de despesas realizadas pelo regime de adiantamento ou de suprimento de fundos, pelo limite previsto no art. 95, § 2º da Lei nº 14.133/2021;
  12. Não é absolutamente livre a escolha entre contratar pelo regime de suprimento de fundos, ou contratar pelo regime de licitação dispensável, eis que se tratam de institutos diversos, com finalidade e função legalmente delimitadas.

Acompanhe também notícias e comentários sobre contratações públicas pelo instagram @joseanacleto.abduch

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores