A “carona em ata de registro de preços” é tema permeado por polêmicas. Há quem defenda que um órgão ou entidade da Administração não poderia aderir a ata feita e gerenciada por outro, sob o risco de burlar o dever de licitar.
Existem na Consultoria Zênite colegas que encaram com reserva a figura (ver texto publicado neste Blog por Ricardo Alexandre Sampaio, o qual tratou das contratações de bens e serviços de TI por meio de adesão a ata de registro de preços), uma vez que as adesões normalmente são deflagradas sem a devida realização e formalização de uma fase de planejamento, tão importante no âmbito das contratações públicas.
E, apesar de toda a polêmica que envolve o tema, o que se observa no dia-a-dia da Administração Pública é uma tendência em ampliar a adesão a atas de registro de preços já formalizadas.
Tomemos como exemplo Consulta feita ao Tribunal de Contas da União, acerca da possibilidade de órgãos e entidades da Administração Pública aderirem a atas de registro de preços relativas a licitações realizadas por entidades integrantes do “Sistema S”, respondida pelo Plenário daquela Corte no Acórdão nº 1.192/2010, nos seguintes termos:
“9.1. conhecer da presente consulta, para responder ao consulente que não há viabilidade jurídica para a adesão por órgãos da Administração Pública a atas de registro de preços relativas a certames licitatórios realizados por entidades integrantes do Sistema “S”, uma vez que não se sujeitam aos procedimentos estritos da Lei nº 8.666/1993, podendo seguir regulamentos próprios devidamente publicados, assim como não se submetem às disposições do Decreto nº 3.931/2001, que disciplina o sistema de registro de preços;”
E parece que, neste caso específico, o TCU foi feliz em sua orientação. Isso porque não bastassem todas as discussões que já existem acerca da legalidade e da constitucionalidade da figura do “carona”, quer-se agora aplicá-la a atas de registro de preços decorrentes de licitações realizadas por entidades que, frise-se, não compõem a Administração Pública.
Não é de hoje que autores como Hely Lopes Meirelles afirmam que os Serviços Sociais Autônomos, “… embora oficializados pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta,…” [1]
Apesar de se subordinarem aos princípios da Administração Pública inscritos no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, as entidades integrantes do “Sistema S”, não se submetem aos ditames da Lei nº 8.666/93.
Ocorre que um dos principais argumentos daqueles que defendem a figura do “carona” consiste justamente no fato de que o(s) contrato(s) advindos da adesão à ata foram submetidos à previa licitação, tomada em seu sentido formal, ou seja, deflagrada segundo os moldes da Lei n° 8.666/93, em que pese ter sido ela realizada por outro órgão.
E esse argumento torna-se insustentável quando se pretende aderir a ata formalizada por uma entidade do “Sistema S”, na medida em que, conforme destacamos, tais pessoas jurídicas não se submetem aos ditames da Lei n° 8.666/93.
Vale destacar ainda que os regulamentos licitatórios das entidades do “Sistema S” possuem consideráveis diferenças em comparação à Lei de Licitações, o que impreterivelmente impõe outra racionalidade ao planejamento de suas contratações, bem como a deflagração de suas licitações, fato que consiste em mais um impeditivo às pretensões de órgãos e entidades integrantes da Administração de aderirem às suas atas de registro de preços.
Somando então todas as críticas oponíveis à figura do carona às considerações acima, parece-nos ser pouco recomendável (utilizando-se aqui um grande eufemismo) que os Administradores Públicos busquem aderir a atas de registro de preços decorrentes de licitações deflagradas por entidades integrantes do “Sistema S”.
E, se o ímpeto de fazê-lo ainda persistir, recomenda-se que a Administração, antes de qualquer coisa, reflita a respeito da seguinte questão: se aderir a ata de órgão ou entidade integrante da Administração, o qual se submete aos ditames da Lei de Licitações, já é discutível, o que dizer a respeito da idéia de se aderir a ata de entidade que não integra a Administração e que, portanto, não observa as regras da Lei n° 8.666/93?
_________________________________________________________
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 24. ed. – São Paulo: Malheiros, 1999. p. 337