A triste realidade do agente público II

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Na postagem anterior falamos das dificuldades em termos de ‘estrutura’ administrativa com foco nas condições efetivas de trabalho do agente público e alertamos que especificamente em relação a necessidade se ter uma estrutura de pessoal (equipe) estruturada, estimulada e treinada  faríamos essa abordagem mais específica, em virtude da importância do tema.

Observamos que não raras vezes o servidor é designado para atuar em várias funções, inclusive aquelas consideradas precípuas para o sucesso da contratação pública (por exemplo, membro de comissão de licitação, pregoeiro, fiscal ou gestor de contrato, etc.) sem ter tido qualquer orientação sobre suas atribuições, treinamento e mesmo sequer sem ter sido “apresentado” ao processo de contratação como um todo.

Em outras áreas não menos importantes a história se repete: controle interno, gestão de pessoal, gestão de convênios, etc. Como já dito nas postagens anteriores, essas dificuldades não escolhem o setor. São comuns a várias áreas da Administração Pública.

Mas é de suma importância alertar que o agente público é responsável pelos seus atos e decisões e por eles poderá ser louvado ou penalizado. Mas só há um meio de descartar (ou ao menos amenizar) essa última possibilidade – a penalização: atuando com qualificação, conhecimento e segurança.   

Uma situação bastante típica que poderá ilustrar um problema que pode advir da atuação conjunta de vários agentes públicos, no mesmo processo administrativo, e que exige conhecimento e segurança para sua regular condução é o fato de que não raras vezes existem opiniões divergentes sobre o melhor caminho a ser adotado. Veja-se que ainda que o processo seja regulado minimamente por uma ordem jurídica é bastante comum que os vários agentes que devem aplicá-la divirjam de opinião sobre sua interpretação. Veremos nas postagens que seguem que a lei muitas vezes não guarda soluções expressas para todos os problemas. Sua aplicação adequada depende precipuamente de sua interpretação e isso muitas vezes gera opiniões variadas, pois cada qual que lê o faz a sua maneira.

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Num processo de contratação, por exemplo, a Comissão de Licitação poderá ter uma solução para o caso (que guarda amparo na interpretação da lei) e a Assessoria Jurídica outra (que igualmente guarda amparo na interpretação da lei). E, então, nesse caso, entra em cena o problema: a decisão deverá ser tomada com base em qual das opiniões?

Assim, a tomada da melhor decisão exige um adequado conhecimento do processo, para que munido de informações corretas, o agente que decide possa ponderar e dar ao caso a melhor solução. Vale dizer, ainda que um caso comporte uma, duas, três  soluções é preciso que se dê a ele a melhor, a que melhor atende ao interesse público. Mas isso só será possível se o agente tiver as informações e o conhecimento necessários para decidir com segurança.

Não podemos esquecer que a capacitação e o treinamento do pessoal e das equipes deve ser contínuo e constante porque é bastante comum que haja rotatividade de pessoal ou equipes. O mercado de trabalho é dinâmico. Essa é uma característica que lhe é inerente. Muitas vezes a rotatividade se dá dentro dos próprios setores. Nas equipes que atuam na área da contratação pública essa realidade não é diferente. Sempre há agente novo, que desconhece totalmente o processo de contratação pública ou um agente exercendo outra função.

Além disso,  mesmo aqueles que atuam há tempos na mesma área ou na mesma função não estão isentos da necessidade de capacitar-se e treinar-se continuamente. Ora,  o cenário jurídico, os problemas, as dúvidas, as situações também são dinâmicas e alteram-se constantemente exigindo a busca perene de informação.

Logo, invariavelmente os agentes que atuam com contratação pública precisam de capacitação, aperfeiçoamento e de suporte técnico-especializado constante para atuar com segurança.

Veja-se, a falta de investimento na capacitação do servidor compromete não apenas a sua carreira, como também todo o resultado da atividade da Administração, pois ele é parte da estrutura e o resultado da sua atuação impacta diretamente no resultado do que a Administração apresenta para a sociedade. O trabalho do agente público é o que faz a Administração e é preciso que se invista, antes, nele.

Essa percepção fez, inclusive surgir atos normativos que incentivam o investimento no desenvolvimento de pessoas, como o Decreto Federal nº 5.707/06 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, para órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Esse normativo traça diversas diretrizes a serem adotas pelos órgãos e entidades públicas para capacitação do funcionalismo e consequente melhoramento da prestação do serviço público.

Esse ato normativo determina o dever de destinação de recursos orçamentários à capacitação de pessoal (art. 11) e impõem a organização dessa capacitação, por meio de um plano anual (art. 3º, XI).

Em suma, essa é uma grande evolução normativa no sentido de reconhecer que há uma necessidade que obriga o Poder Público a investir na capacitação de seus servidores.

Também há uma tendência jurisprudencial, advinda dos órgãos de controle, de reconhecer a necessidade dessa capacitação, para garantir que ele possua os pressupostos profissionais e técnicos necessários para bem desempenhar a função para o qual foi designada. Nesse sentido, vem decidindo o Tribunal de Contas da União – TCU:

Acórdão nº 2997/2009 – Plenário

“Convênio. Fraude na comprovação de que os serviços foram executados]

[VOTO]

13. Outra ocorrência grave foi a emissão dos Pareceres Técnicos de nº 01 a 04/2005 por funcionário não qualificado e competente para atestar os serviços prestados, haja vista que tal empregado só possuía formação de nível fundamental e, de fato, não acompanhou ou fiscalizou a execução do contrato. O próprio funcionário, Sr. [omissis], confirma a irregularidade, conforme depoimento colhido nos autos (fls. 118/119 – VP): […]” [sem grifo no original]

Acórdão nº 2917/2010 – Plenário

“[Representação. Informática. Contrato de produtos e serviços de suporte técnico para internalização da tecnologia. Obrigatoridade de designação formal de servidores qualificados para fiscalização contratual]

[RELATÓRIO]

(…)

5.7.6. Acerca das incumbências do fiscal do contrato, o TCU entende que devem ser designados servidores públicos qualificados para a gestão dos contratos, de modo que sejam responsáveis pela execução de atividades e/ou pela vigilância e garantia da regularidade e adequação dos serviços (item 9.2.3 do Acórdão nº 2.632/2007-P).

5.7.7. O servidor designado para exercer o encargo de fiscal não pode oferecer recusa, porquanto não se trata de ordem ilegal. Entretanto, tem a opção de expor ao superior hierárquico as deficiências e limitações que possam impedi-lo de cumprir diligentemente suas obrigações. A opção que não se aceita é uma atuação a esmo (com imprudência, negligência, omissão, ausência de cautela e de zelo profissional), sob pena de configurar grave infração à norma legal (itens 31/3 do voto do Acórdão nº 468/2007-P).” [sem grifo no original]

Observa-se deste ultimo julgado que o servidor designado não pode oferecer recusa à atribuição que lhe for conferida. Entretanto, pode (e deve) expor suas limitações que possam impedir-lhe de exercer adequadamente e com responsabilidade suas funções. Assim, o fato de o servidor reconhecer a sua falta de qualificação técnica para cumprir diligentemente a sua tarefa deve ser levado em consideração e, nesse sentido, é dever da Administração prover-lhe de estrutura adequada que lhe possibilite informação e conhecimento para exercer suas funções.

Enfim, diante de situações básicas aqui trabalhadas e também mencionadas na postagem anterior, é forçoso reconhecer que o alcance de uma atuação administrativa de qualidade que atenda efetivamente aquilo à que se presta a fazer depende de uma estrutura física, de pessoal que privilegie o estudo, a capacitação e o conhecimento. Aqui também vale a máxima de que a evolução passa pela ‘Educação’!

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