INTRODUÇÃO
A Lei nº 14.133/2021 trouxe muitas novidades, e é possível afirmar que há, com esse estatuto, um novo modelo de gestão nas aquisições públicas. Esse novo modelo transcende diversas áreas da organização, ressalta pontos que, mesmo existentes, estavam obscuros. A lei passeia por todo o processo de contratação, desde o tão enigmático planejamento até o gerenciamento do contrato e o controle.
Durante esse período (seis meses), diante das dezenas de capacitações com diversos órgãos de todas esferas de governo, treinando e aperfeiçoando gestores públicos com variadas funções, percebe-se que a maior dificuldade na compreensão da lei não é a própria lei, mas sim todo o aparato que a cerca.
O que se constata é que alguns agentes públicos, por não disporem de uma visão sistêmica do processo de contratação, acabam sentindo mais dificuldade para dimensionar o efeito de seus dispositivos no processo como um todo. Aliada a essa percepção, verifica-se que a demora das regulamentações, em especial daquela que permitirá a licitação imediata por meio das novas modalidades previstas[1], e a própria demora na implementação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), bem como o atraso na disponibilização do Sistema de Registro Cadastral Único, fazem com que os futuros operadores da lei fiquem desestimulados na busca de sua compreensão hoje. Desse modo, se esse panorama continuar por mais tempo, restará pouquíssimo prazo para a Administração internalizar as novas regras.
Entretanto, em que pese a regulamentação tardia, é preciso compreender que existem diversos dispositivos que devem ser internalizados gradualmente até a data final para implementação da lei. Como o prazo continua correndo e, a cada dia, é menos um dia para incorporá-la, é preciso, então, trabalhar naquilo que se pode desenhar para a implementação do processo.
Dessa forma, é possível imediatamente separar duas situações: são dois, os impactos diferenciados nos órgãos que irão utilizar a nova Lei; um impacto menor para os órgãos federais que já utilizam a Instrução Normativa nº 05/2017, e outro maior para os demais órgãos da Administração Pública que não utilizam tais parâmetros. Isso porque, quando se trata dos órgãos federais, sejam eles pertencentes ou não ao Poder Executivo, a cultura interna administrativa voltada para licitações e contratos revela um nível de maturidade diferente da realidade dos demais órgãos que não a utilizam. Tal entendimento se deve, especialmente, aos procedimentos relativos à fase de planejamento (instrução processual), percebendo-se que, até mesmo no âmbito do Poder Executivo Federal, é possível constatar essas diferenças em relação às mais diversas culturas administrativas e procedimentos variados internos, utilizando-se a mesma legislação.
Cada ente federativo terá um desafio peculiar na implementação dessa lei e de todo o normativo que a acompanha. Desse modo, diante de tantas diretrizes e nesse emaranhado de regras existentes junto à quantidade de instruções normativas que ainda virão, é possível descrever, de uma forma mais ampla, algumas diretrizes iniciais para um desenho de implementação.
Considerando a realidade institucional de cada um dos órgãos submetidos à nova Lei[2], uma primeira providência a ser considerada é, antes de qualquer movimento, fazer um levantamento da atual situação organizacional, ou seja, de suas atribuições e de suas competências, bem como um levantamento dos objetivos institucionais e o alinhamento com os demais tipos de planejamentos. Chama-se atenção para as palavras da Professora Tatiana Camarão (2021) acerca da necessidade de se instituir regulamentos visando implementar medidas estratégicas para a consolidação do mecanismo da liderança na instituição, no sentido de uniformizar orientações e procedimentos permitindo maior segurança jurídica para os envolvidos no processo. Segundo a autora, a regulamentação interna visa concretizar alguns dispositivos que tratam das “medidas de integridade” voltadas aos agentes públicos[3].
Assim, antes do início da implementação da lei e de seus fluxos processuais (licitações)[4] até a fase da execução contratual, é importante ter em mente a necessidade de diagnosticar os problemas ou gargalos já existentes na atual legislação. Isso porque há constantes dificuldades na operacionalização da legislação com relação às tomadas de decisões intrínsecas aos atos administrativos necessários à realização do processo.
Todos os atos administrativos, decisões e procedimentos carecem da necessidade de internalização de conceitos, princípios e diretrizes que extrapolam uma simples regulamentação. Muitas decisões são oriundas das construções doutrinária e jurisprudencial arquitetadas com a experiência dos agentes frente à realidade institucional.
Com base na ideia de que os órgãos já estão instituindo grupos de servidores responsáveis para implementar as diretrizes da nova Lei, alguns passos podem ser destacados. Assim, este trabalho busca trazer, sem a intenção de exaurir, um rol de possibilidades de desenvolvimento de atividades voltadas a preparar o caminho a ser trilhado após o advento da nova Lei.
Para melhor compreensão e objetividade, é preciso disciplinar os temas a serem tratados e a forma de abordagem, bem como estabelecer um cronograma, no sentido de delimitar o escopo do trabalho. Desse modo, apresentamos, a seguir, alguns passos com 50 possíveis situações práticas a serem observadas.
[1] Modalidades velhas e novas: concorrência, pregão, diálogo competitivo. No entanto, em que pese a Lei nº 14.133/2021 prever a modalidade da concorrência novamente, esta não se apresenta da mesma forma que na Lei nº 8.666/1993. Na mesma linha de raciocínio está o novo pregão, que carece de regulamentação.
[2] Lei nº 14.133/2021: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange: I – os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; II – os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública”.
[3] “O texto do novel diploma enfatiza pontos importantes que a liderança deve ater-se quando do exercício de seu papel, como as medidas de integridade voltadas aos agentes públicos (artigo 7º, III e §1º; artigo 9º); a gestão por competência (artigo 7º, I e II) e a matriz de responsabilidade (artigo 8º); a segregação de funções (artigo 7º, §1º); o plano de capacitação (artigo 18, §1º, X; artigo 169, §3º, I; artigo 173); e a definição de funções (artigo 8º, §3º e 4º).” (CAMARÃO, 2021)
[4] Lei nº 14.133/2021: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência: I – preparatória; II – de divulgação do edital de licitação; III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso; IV – de julgamento; V – de habilitação; VI – recursal; VII – de homologação”.
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