Tal como a Lei nº 8.666/1993, a Lei
nº 13.303/2016 não disciplinou rigidamente os procedimentos que precedem a
aplicação de sanções administrativas. O que faz, tão somente, é vincular a
aplicação das penalidades à garantia de defesa prévia (art. 83).
A ausência de uma disciplina legal
rígida acerca do processo administrativo para a aplicação de sanções
administrativas atribui a cada empresa estatal competência para regulamentar o
tema. Essa conclusão, inclusive, encontra amparo na previsão contida no art.
40, inc. VIII, da Lei nº 13.303/2016, segundo o qual as empresas estatais
deverão considerar em seus regulamentos internos procedimentos relativos à
aplicação de penalidade.
É por meio dessa competência
regulamentar que a empresa estatal deve esclarecer dúvidas e conflitos
relativos à aplicação de sanções, sempre em harmonia com o regime jurídico e
seus princípios.
É nesse aspecto que, no que se
refere às sanções de multa e de suspensão temporária de participação em
licitação e impedimento de contratar, não há dúvida de que devem ser aplicadas
após o processo administrativo competente, que garanta o contraditório e a
ampla defesa, inclusive com direito de recurso. Afinal, conforme art. 5º, inc.
LV, da Constituição Federal, “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes“.
(Grifamos.)
Por outro lado, defende-se outro
procedimento para a advertência. Quando as falhas de execução não forem
relevantes nem resultarem em prejuízo à Administração, é possível cogitar que o
próprio fiscal do contrato advirta o contratado para que este corrija os vícios
ou para que não torne a cometê-los.
Essa advertência não constitui uma
penalidade propriamente dita, mas um aviso emitido pelo fiscal no exercício de
sua atribuição. Nesse sentido é a crítica de Joel de Menezes Niebuhr à Lei nº
8.666/1993, que se estende à Lei nº 13.303/2016:
O poder de advertir é imanente ao poder de fiscalizar, reconhecido à Administração Pública expressamente no inciso III do art. 58 da Lei nº 8.666/93. O raciocínio é linear: quem fiscaliza, adverte ou, noutras palavras, comunica o fiscalizado de incorreções a fim de evitar danos definitivos, que demandariam a aplicação de verdadeiras sanções.
[…]
A advertência, na maioria dos casos, somente faz sentido se ela puder ser produzida imediatamente, porque somente assim ela se presta a evitar danos maiores. Daí o equívoco do legislador em qualificar a advertência como espécie de sanção. Ocorre que, na qualidade de sanção, na forma do caput do art. 87 da Lei nº 8.666/93, a advertência deve ser precedida de prévia defesa, com todas as garantias decorrentes dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O problema é que, se assim o for, o efeito da advertência praticamente se esvai no tempo necessário para que a Administração obedeça a todos os trâmites processuais inerentes à garantia da ampla defesa.
[…] A solução, visando a contornar essa situação, é um tanto quanto esdrúxula: muito embora a advertência, prescrita no inciso I do art. 87 da Lei nº 8.666/93, e a determinação para a regularização das faltas ou defeitos, do § 1º do art. 67, também da Lei nº 8.666/93, sejam, em essência, a mesma coisa, é forçoso – ainda que esdrúxulo – distingui-las.
Pois bem, quanto aos efeitos, não há como distingui-las. Ambas prestam-se à mesma finalidade. A distinção possível é que a advertência, do inciso I do art. 87, deve ser precedida de ampla defesa; a determinação para a regularização das faltas ou defeitos, do § 1º do art. 67, não deve ou não precisa ser precedida de ampla defesa.
A aludida distinção é esdrúxula porque a advertência produz praticamente os mesmos efeitos da determinação para a regularização das faltas ou defeitos: ambos os atos servem, em essência, a advertir, comunicando o contratado a respeito de alguma falta, para que ele a corrija antes que se produza espécie de dano maior. O uso de uma ou de outra figura, da advertência ou da determinação para a regularização das faltas ou defeitos, depende do humor e da disposição dos agentes administrativos, já que, insista-se, os efeitos de ambos são os mesmos. (NIEBUHR, 2011, p. 974-975.)
Assim, para a Zênite, considerando
que a empresa estatal tem o poder-dever de regulamentar a questão, tal impasse
pode ser resolvido de forma mais simples e eficiente.
Nesse sentido, pode-se prever que,
se o contratado se omitir quanto às correções ou reincidir nas falhas apontadas
pelo fiscal, com ou sem prejuízos significativos, será instaurado o processo
administrativo, em que sejam assegurados os direitos à ampla defesa e ao
contraditório prévios e o exercício recursal a posteriori.
Para tanto, a empresa estatal pode, em seu regulamento, fixar que, aplicadas
três advertências, por exemplo, será instaurado o processo administrativo para
aplicação de multa, prevendo-se valor razoável e proporcional.
Já a advertência pode ser definida
como de competência do fiscal ou do gestor do contrato. Dessa forma, tão logo
se verifique a irregularidade, notifica-se o particular, com o registro
pertinente em cadastro próprio (se já existente) e nos autos do processo da
contratação.
É importante garantir a ciência do
contratado, já que ele pode decidir contestar a advertência. Nesse caso,
cumprirá abrir prazo para apresentação de razões, que serão encaminhadas ao
fiscal, com posterior manifestação da autoridade responsável pela contratação,
tão somente para confirmar ou retirar a advertência. De toda forma, por
envolver um procedimento simplificado, que visa ratificar ou retirar
determinado registro de falha, não se mostra necessário todo o trâmite
burocrático e detalhado de um processo administrativo, no que se inclui o
direito recursal.
E isso porque, adota-se aqui a
orientação segundo a qual a advertência não restringe direitos dos licitantes,
nem lhes implica obrigação pecuniária. A finalidade é de apenas
reprimir/alertar em face de irregularidade com baixíssimo potencial de
gravidade para o interesse público protegido pelo contrato. Assim, seu objetivo
é o de informar o particular para que regularize sua conduta, visando
resguardar a execução do contrato e evitar penalidades mais graves no futuro.
Tal como afirmado inicialmente,
sendo o caso de aplicar sanções mais gravosas (multa, suspensão temporária do
direito de licitar e contratar), então é necessário instaurar o competente
processo administrativo, com todas as garantias inerentes ao contraditório e à
ampla defesa, o que inclui o direito a recurso.
Concluímos, então, que a
advertência, como apontado pela doutrina, não pode ser considerada uma sanção,
uma vez que não impõe qualquer restrição ou ônus ao contratado, sendo possível
simplificar o processo para sua aplicação. Inclusive, por se tratar de ato
inerente à atividade de fiscalização, é possível atribuir competência para
aplicá-la ao fiscal ou gestor do contrato, não sendo imprescindível
encaminhá-la para análise da autoridade em todas as situações.
REFERÊNCIAS
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação
pública e contrato administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
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