Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:
“É possível estatal prorrogar o contrato celebrado com empresa que se encontra em Recuperação Judicial?”
DIRETO AO PONTO
(…) o fato de a contratada encontrar-se em recuperação judicial não representa, necessariamente, um impedimento à manutenção/prorrogação do contrato, desde que, por certo, em atendimento ao disposto no Regulamento de Licitações e Contratos da Consulente, (i) reste motivado o interesse na preservação do contrato; e (ii) caso se entenda necessário, a contratada preste garantia suficiente ao cumprimento das obrigações contratuais.
Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.
A decretação da recuperação judicial não promove a rescisão automática de todos os compromissos anteriormente por ele assumidos, notadamente os de natureza contratual. Ao contrário, ressalvada previsão em sentido diverso no plano de recuperação apresentado pelo interessado, a regra indica que os contratos firmados pelo beneficiário da recuperação judicial deverão ser cumpridos nos termos neles estabelecidos (art. 49, da Lei nº 11.101/2005).
A questão é que, durante o período de recuperação judicial, o sujeito apresentará situação de irregularidade fiscal, o que, no âmbito da contratação pública, poderia constituir obstáculo ao estabelecimento ou preservação de relações contratuais.
Todavia, tendo em vista a finalidade do processo de recuperação judicial, que compreende viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, é possível flexibilizar excepcionalmente essa regra.
Assim é que, em relação aos ajustes já celebrados, tem-se como possível defender a sua manutenção mesmo diante de irregularidade fiscal da empresa em recuperação judicial. Mas, uma vez superada a situação de crise ou equacionado o plano de recuperação, a Administração contratante deverá requisitar do contratado que volte a demonstrar sua condição de regularidade.
O problema se dá quando a questão é avaliada à luz de contratos novos, sejam eles decorrentes de licitação, ata de registros de preços ou de contratação direta. Isso porque, segundo o art. 52, II, da Lei nº 11.101/2005, o juiz “determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei” (Destacamos).
A partir de uma interpretação literal deste dispositivo, o fato de o particular estar em recuperação judicial não legitima o afastamento do dever de demonstrar a regularidade fiscal para celebrar contratos com a Administração.
Contudo, mesmo nessa hipótese, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem atenuado tal rigor em consideração à finalidade da recuperação judicial, que é viabilizar ao particular que retome suas atividades adequadamente. Sobre o tema, vejamos precedente:
“Nessa linha de intelecção, por óbvio, parece ser inexigível, pelo menos por enquanto, qualquer demonstração de regularidade fiscal para as empresas em recuperação judicial, seja para continuar no exercício de sua atividade (já dispensado pela norma), seja para contratar ou continuar executando contrato com o Poder Público.
É que, como dito naquele oportunidade, em se tratando de recuperação judicial, a nova Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos. A inovação está no art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, vale dizer, “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
(…)
Isso porque é de se presumir que a empresa que se socorre da recuperação se encontra em dificuldades financeiras para pagar seus fornecedores e passivo tributário e, por conseguinte, em obter a emissão de certidões negativas de débitos; não podendo isso, contudo, significar a impossibilidade de sua recuperação, máxime para recebimento de crédito a que faz jus por ter cumprido integralmente sua obrigação contratual.
Ao revés, pelos primados da lei, deve-se possibilitar meios e condições econômicas para que a empresa supere a situação de crise.” (Recurso Especial nº 1.173.735, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 22.04.2014. Destacamos.)
Sob esse enfoque e com fundamento em razões de interesse público, devidamente motivadas, é possível entender pela manutenção do ajuste com empresa em recuperação judicial, mesmo que o contratado se encontre em condições de irregularidade fiscal e/ou trabalhista, notadamente quando o objeto contratual é de extrema necessidade à Administração e está sendo regularmente executado pelo contratado. Isso porque nem toda infração a obrigações contratuais implicará automaticamente na dissolução do contrato.
Nesse contexto, seria admitida a prorrogação do contrato caso a recuperação judicial e as eventuais irregularidades existentes não afetassem a relação contratual havida com a Administração.
Não obstante, o Regulamento de Licitações e Contratos da Consulente estabelece que pode constituir motivo para a rescisão contratual a homologação de plano de recuperação extrajudicial ou deferimento de recuperação judicial, caso não seja prestada garantia suficiente para o cumprimento das obrigações contratuais.
Destacamos que o Regulamento não impõe a imediata rescisão do ajuste, podendo prevalecer o entendimento acima exarado. A cautela residirá em verificar, além da vantajosidade em manter o ajuste, se a contratada possui condições de prestar garantia em patamar suficiente ao cumprimento das obrigações contratuais. Caso se entenda relevante a prestação da garantia, se a empresa não ofertar a rescisão deverá ser ponderada e a prorrogação não poderá ser realizada.
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