Na edição da Revista Veja de 22 de dezembro, foi publicada a matéria “Matrix Federal”, assinada por Gustavo Ribeiro, que aborda a falibilidade do sistema de compras eletrônicas utilizado pelo Governo Federal, o Comprasnet. Segundo o autor, “ao contrário do que se pensava, o sistema não é imune a manipulação”.
A informação dá conta de que um programa de computador desenvolvido por Hackers cria lances automáticos para cobrir o menor valor dado pelos concorrentes. Gustavo Ribeiro também menciona que a empresa Viganet comercializa um software dessa espécie e que de acordo com seu gerente de negócios, Pedro Ramos, “O usuário do produto pode cobrir qualquer oferta sem chamar a atenção”. A razão consiste no tempo para cobrir os lances dos adversários. Enquanto um operador humano leva mais de cinco segundos para registrar um lance, o programa o faz em 140 milésimos de segundo, ou menos.
É exatamente esse tempo reduzido para o oferecimento de lance inferior ao dos concorrentes que assegura a vitória no pregão, uma vez que no tempo de encerramento randômico, o uso do software permite à empresa estar sempre à frente em relação aos concorrentes que registram seus lances no sistema por operador humano.
Tal como destacado na matéria, o uso dessa ferramenta não encontra óbice legal e não lesa os cofres públicos. Pelo contrário, a Lei nº 10.520/02 que estabelece a modalidade pregão não veda essa prática. De igual sorte, como a empresa vencedora cotou o menor lance, a Administração não deixou de firmar o melhor negócio.
A questão que preocupa não se atrela a eventual prejuízo a vantajosidade, mas sim a igualdade. Se o sistema efetivamente é capaz de assegurar a vitória ao licitante que o utiliza, então a licitação possui um vencedor desde antes de sua abertura, o que aniquila a competição e, por consequência, viola o ideário de igualdade entre os concorrentes.
A questão é realmente preocupante. Não é demais lembrar que, de acordo com a Constituição da República, as contratações da Administração Pública serão precedidas de processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes (art. 37, XXI). A Lei nº 8.666/93, por sua vez, eleva a igualdade a uma das finalidades do procedimento, ao mencionar que “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional, (…)” (art. 3º).
Logo, não haverá verdadeiramente licitação se não forem asseguradas condições de igualdade na disputa entre os interessados em contratar com a Administração Pública, por maior que seja a vantajosidade aferida ou mesmo o desenvolvimento nacional proporcionado pela contratação firmada.
Além do princípio da igualdade, a utilização de robôs para envio de lances, inviabilizando a disputa isonômica entre os licitantes, viola outro princípio da Administração Pública, qual seja a moralidade. A moralidade administrativa transcende a legalidade imposta pela ordem jurídica. A lei encontra-se inserida na moral. Logo, ainda que a prática em questão não viole expressa disposição legal, ser conivente com a utilização de um expediente que agride a finalidade constitucional da licitação parece atentar contra os padrões da ética e da moral que se espera que sejam empregados pelo administrador no exercício da função administrativa.
Certamente, o interesse geral, público e necessário não se alinha e não admite o emprego de expedientes que atentem contra a lisura e o escorreito processamento dos certames licitatórios. Daí porque, como bem explica Carlos Ari Sundfeld, nas licitações os princípios da moralidade e da probidade “Obrigam licitador e licitantes a observarem pautas de conduta honesta e civilizada, interditando conluios para afastar disputantes, acordos para aumentos de preços, decisões desleais, etc.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 1994, p. 20.).
Tudo leva a crer não ser novidade o uso de robôs para aqueles que atuam no processamento dos pregões eletrônicos. Segundo trecho do Voto do Ministro-Relator, Valmir Campelo, no Acórdão nº 1.647/2010-Plenário-TCU, “Uma falha importante constatada pelo Tribunal foi o uso de dispositivos de inserção automática (robôs) para o envio de lances durante o pregão eletrônico. O referido dispositivo tecnológico continua comprometendo a isonomia entre os participantes do certame licitatório, visto que a atual regra “antirrobô” do “Comprasnet” não é suficiente para atingir o objetivo de impedir a vantagem competitiva existente”.
Naquela oportunidade, foram analisadas as Manifestações da Ouvidoria – TCU de nºs 24.099 e 26.725, nas quais, em suma, registram-se depoimentos de licitantes que se sentiram prejudicados por terem identificado a resposta extremamente rápida de outros licitantes, numa agilidade impossível de ser acompanhada por operador humano. Inclusive, segundo informação contida no próprio Acórdão nº 1.647/2010-Plenário-TCU, “Tal contestação é de conhecimento da SLTI, que implementou regra de negócio intitulada “antirrobô”, a qual solicita código de confirmação para licitantes que apresente lance em período inferior a 6 segundos, em relação a seu lance anterior (fl. 87v, anexo 4)”.
Daí porque, a partir dos elementos constantes dos autos e com base nos apontamentos do Ministro-Relator, o Plenário do TCU determinou à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento que, “no prazo de noventa dias adote meios de prover isonomia entre os licitantes do pregão eletrônico, em relação a possível vantagem competitiva que alguns licitantes podem obter ao utilizar dispositivos de envio automático de lances (robôs);”.
A publicação do Acórdão nº 1.647/2010-Plenário-TCU no Diário Oficial da União se deu em 19/07/2010 e até o presente momento a única manifestação da SLTI o sobre o uso de robôs foi uma nota divulgada no sítio eletrônico do Ministério do Planejamento em 20 de dezembro, na qual a Secretária Glória Guimarães explica que “A utilização desses programas não garante vitória no pregão, pois nosso sistema é preparado para rejeitar lances em intervalos menores dos que são alcançados por uma pessoa”. A nota também menciona que, “Em parceria com o Serpro, o MP tem feito aplicações contínuas para bloquear possíveis ‘vantagens’ oferecidas por softwares que executam comandos automatizados” (http://www.planejamento.gov.br/noticia.asp?p=not&cod=6878&cat=94&sec=7).
Ao que tudo indica, preocupar-se com o uso de robôs representa um exagero, repousando em paz a isonomia, a competitividade e a moralidade nos pregões eletrônicos, de sorte a não haver razão para se preocupar com a lisura dos procedimentos eletrônicos, sendo mais provável o Papai Noel aparecer no próximo dia 25 a se verificar de fato a exposição do Sistema Comprasnet a atuação de robôs que desvirtuem ou prejudiquem a igualdade entre licitantes nos pregões eletrônicos. Será?!?
Continua depois da publicidade
22 comentários
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentarFacebookGoogle
Marcos
02 de maio de 2015
Pessoal tenho empresa e presto serviços para o governo e posso dizer a voces que nos humanos somos muito mais inteligentes que os softwares robos que entram com lances, eu venco varias licitacoes inclusive contra empresas que utilizam os robos , é tão ridiculo que chego a rir pois as empresas utilizando o software apresentam preços que realmente são vencedores mas na fase de aceitação/habilitação conseguem sequer cobrir os custos, então eu acho é bom essas empresas continuarem utilizando software de redução de preço que nos humanos continuaremos a vencer .
Prezado Marcos
Obrigado por acompanhar o Blog da Zênite enviar sua mensagem.
Assim como você, também acredito que os seres humanos são muito mais inteligentes que os softwares robôs que oferecem lances nos pregões eletrônicos!
Cordialmente,
Ricardo Sampaio
Aprovar
Desaprovar
F. Araujo
27 de novembro de 2014
Nada disso seria problema se cada empresa apresentasse seu menor valor logo no primeiro lance tornando todo o tramite muito mais vantajoso pra quem compra que no caso é o governo e automaticamente você que está lendo isso.
Quanto aos robôs: olhando do ponto em que uma boa estrutura, uma boa equipe ou até mesmo uma pessoa com habilidades físicas mais ágeis teriam vantagens em ma licitação eletrônica, porque um software de injeção de valores seria menos 'legal"?
Do ponto de vista de quem desenvolve: Se é feito no computador, pode ser desfeito. Não existe coisa existente e nem nunca haverá nada feito no computador a base de silício ou outro componente eletrônico a base de elétrons imune a bots.
Prezado Araujo,
O objetivo deve ser exatamente esse, assegurar que, desde logo, as empresas apresentem a melhor proposta, em condição de igualdade. A aplicação da previsão contida na Lei nº 10.520/02, de acordo com a qual somente participam da fase de lances as empresas cujos preços sejam até 10% superiores ao menor inicialmente cotado, auxiliaria nesse sentido.
Cordialmente,
Ricardo Sampaio
Aprovar
Desaprovar
silvio
07 de outubro de 2014
Nao concordo com a materia.... Se uma empresa investe num programa desses para melhorar seu desempenho em licitaçoes e consequentemente aumetar seu faturamente ela faz por onde, inova e nao merece ser enquadrada em qualquer que seja as puniçoes e advertencias possiveis. Nao concordo quando se diz, que num pregao eletronico onde uma empresa vai usar o programa, nao existe isonomia.. existe sim, ninguem sabe qual o limite de valores a que esta empresa pode chegar. Cada empresa tem seus custos, suas margens.... entao a licitaçao nao começa com um vencedor ja designado.... Isso e chororo de quem nao tem dinheiro para investir, ou nao tem visao......
Prezado Silvio,
Agradeço a sua contribuição.
A maior vantagem de vivermos em um Estado Democrático é justamente podermos divergir das ideias e pensamentos das demais pessoas. Assim, sob o seu ponto de vista, o qual acredito seja eminentemente orientado por valores e interesses empresariais, concordo com as suas observações. Porém, sob o ponto de vista jurídico, a questão pode ser tratada e resolvida de modo diverso. Tanto isso é verdade que anos atrás o TCU determinou a revisão dos sistemas eletrônicos e o Ministério do Planejamento em atendimento a essa determinação implementou alterações.
E, desse modo, segue a vida, cada um com seus valores e opiniões, mas todos com o direito de expô-las!
Cordialmente,
Ricardo Sampaio
Aprovar
Desaprovar
carlos
28 de novembro de 2011
como analista de sistemas, sou obrigado a discordar do autor deste artigo. Existem diersas maneiras de se fazer um programa para entregar os lances automáticos. Pode ser definido um clique automatico do mouse em area definida, envio dos codigos de lances... uma prova disso são os robos em jogos de xadrez no site .
Também sou obrigado a discordar quanto a alegada legalidade desta prática como incentivo à competição.
De fato o lance vencedor será o menor valor, mas não obrigatoriamente será o adjudicado. O robot pode ser ativado por uma empresa COELHO, para permitir que outra ganhe o certame. Assim após o lance que será encedor, um sucessio ataque de lances de robos pode obrigar o sistema a fechar o certame como um ataque de DOS ( deny off service ). Ou na melhor das hipoteses, desencorajar outras empresas a participarem do certame.
Prezado Carlos,
Ao publicar esse post, a intenção era ironizar qualquer tentativa de defesa do uso de robôs em procedimentos licitatórios, como forma de chamar a atenção para o tema.
De modo algum posso concordar com a legalidade desse procedimento. Justamente nesse sentido, registrei no texto que “(...) o interesse geral, público e necessário não se alinha e não admite o emprego de expedientes que atentem contra a lisura e o escorreito processamento dos certames licitatórios”.
Mais recentemente, em 18 de outubro passado, voltei a tratar do tema no post “Chegou o fim dos Robôs no Pregão eletrônico. Será?”, e nesta oportunidade voltei a chamar a atenção para o cerne do problema envolvendo os robôs: “A questão que preocupa não se atrela a eventual prejuízo a vantajosidade, mas sim a igualdade. Se o sistema efetivamente é capaz de assegurar a vitória ao licitante que o utiliza, então a licitação possui um vencedor desde antes de sua abertura, o que aniquila a competição e, por consequência, viola o ideário de igualdade entre os concorrentes”.
No Acórdão nº 2.601/2011, o Plenário do TCU firmou um prazo para que a SLTI/MPOG adote as providências necessárias para o exato cumprimento do princípio constitucional da isonomia, mediante a busca de alternativas para implementação rápida de mecanismos inibidores do uso de dispositivos de envio automático de lances em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet.
Quem sabe agora essa novela chegue ao fim. Assim seja!
Continue participando de nosso blog.
Cordialmente,
Ricardo Sampaio
Aprovar
Desaprovar
Igor D Azevedo
22 de agosto de 2011
Ola mais uma vez.
Depois dessa atualização do comprasnet em inserir um captcha antes do lance, só atrapalhou ainda mais quem não tem um software de envio automático .
Como ja disse anteriormente em outras divulgações, meu software não foi feito para burlar nada e sim para automatizar os processos com ou sem captcha.
abracos.
igor.engenharia@bol.com.br
011 8342 3200 - tim
011 9390 7696 - claro
Seminário Nacional em Recife/PE | 16 a 18 de maio 2023 | 40 temas aplicados sobre planejamento, condução e julgamento da licitação, contratação direta e execução dos contratos
TJ/RS – Contrato – Inexecução – Rescisão unilateral – Possibilidade O TJ/RS, em apelação cível, julgou a ocorrência de inexecução contratual e a possibilidade rescisão unilateral do contrato pela Administração....
Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite: "Determinado contrato de prestação de serviços de assistência médico hospitalar não incluiu, entre suas previsões, alguns detalhamentos do objeto que estavam devidamente contemplados...
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados divulgou, neste último dia 23 de março de 2023, como demonstração de sua transparência ativa, a listagem de processos sancionatórios de empresas e...
O TCU proferiu o Acórdão nº 507/2023, definindo, com base no art. 191, da nova Lei de Licitações nº 14.133/2021, o marco temporal para aplicação das Leis nº 8.666/1993, 10.520/2022...
O TCE/MG fixou entendimento sobre as peculiaridades trazidas pela Lei nº 14.133/2021 quanto a contratação direta, em razão do valor, dos serviços de manutenção de veículos automotores, nos termos do...
Não são raras as solicitações de esclarecimentos pelos licitantes quando da publicação do instrumento convocatório para entender se o seguro garantia será exigido de forma cumulativa com a comprovação do...