Desde que entrou em vigência a Lei nº 10.520/02, doutrina e jurisprudência se ocuparam da discussão acerca do cabimento do pregão para licitar bens e serviços de tecnologia da informação. Depois de muito, concluiu-se que esta deve ser a modalidade utilizada como regra nas licitações cujo objeto são bens e serviços de TI, uma vez que quase sempre possuem especificações usuais no mercado. Ocorre que, com o julgamento realizado pelo tipo “menor preço”, a técnica essencial a algumas contratações do setor acabou preterida face à vantajosidade econômica que poderia ser obtida.
Privilegiar o preço tem suas implicações: ao mesmo tempo em que a redução das exigências técnicas trouxe mais licitantes à disputa, muito se perdeu em eficácia. Apenas para que se conheça superficialmente o cenário, trazemos o levantamento feito pelo Standish Group (www.standishgroup.com), empresa norte-americana que publica desde 1994 relatórios sobre os projetos desenvolvidos na área de TI: no último relatório (2009) foi constatado que, dos projetos de software, 24% fracassam, 44% são entregues com sucesso parcial, e apenas 32% obtêm sucesso [1]. Uma das razões para os números pouco animadores está em que, ao contrário do que se passa com a unidade de medida relativa ao quantitativo (pontos por função), não há uma métrica precisa para aferição do aspecto qualitativo quando o objeto da licitação é desenvolvimento de software.
A implementação de exigência de certificações como critério qualitativo, entretanto, esbarra na legislação que cuida da matéria. A Lei de Licitações não prevê, no art. 30, a possibilidade de exigência de certificado de qualidade, a exemplo daqueles concedidos pelo CMMI e MPS-BR. Por outro lado, a mesma Lei já previa que as compras, sempre que possível, submetem-se a condições de aquisição semelhantes a do setor privado (Art. 15). A nosso ver, o fato de não haver previsão expressa quanto à referida exigência não obsta que o órgão/ente administrativo condicione a habilitação do licitante à apresentação de certificado. Além de tratar-se de prática corrente no mercado, a exigência não afronta o disposto na Constituição Federal, que permite sejam feitas tantas exigências quantas necessárias ao cumprimento da obrigação (art. 37, inc. XXI, parte final).
Nem se diga que a Instrução Normativa nº 04/2008, ao vedar a indicação de entidade certificadora (art. 14, VIII, “c”), impediria a exigência de certificado, pois não se trata de cumprir com as normas das já conhecidas CMMI e MPS-BR, mas de apresentar qualquer certificação cuja equivalência seja comprovada pelo licitante.
Por certo, ao se exigir a certificação de qualidade, reduz-se significativamente os casos de fracasso da contratação, já que o vencedor do certame será, necessariamente, particular que comprovadamente se utiliza das melhores práticas do setor, e que investe no desenvolvimento de seu produto (requisitos para obtenção certificado). Ainda, a Administração saberá que a mesma entidade que concedeu a certificação promove fiscalização regular para efeito de manter a condição da empresa.
Considerando que na Administração Pública brasileira medidas assecuratórias ao resultado satisfatório do contrato (boa Governança de TI, planejamento da contratação e adequada gestão do contrato) ainda fazem parte de um plano “ideal”, é preciso repensar os benefícios que as certificações de qualidade difundidas no mercado poderiam levar ao âmbito da contratação pública.
[1] Sucesso: projeto entregue conforme o prazo e o orçamento estipulados, e com boa parte do escopo;
Sucesso parcial: projeto funcionando, mas entregue sem atender ao custo, ao esforço ou com escopo parcial;
Fracasso: projeto cancelado ou não utilizado.