A Lei n º 14.133 de 01 de abril de 2021, institui normas gerais de licitações e contratos administrativos. Esta Lei entrou em vigência na data de sua publicação (art. 194). Entretanto, havia previsão legal de que até abril de 2023 teriam vigência simultânea a nova Lei e as Leis nº 8.666/1993 e 10.520/2002.
A Administração Pública, neste ponto, teve dois anos para a “virada de chave” e transição entre o regime da Lei nova e os regimes das leis anteriores.
Entretanto, sobreveio a edição da Medida Provisória nº 1.167/2023, que prorrogou a vigência da Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 10.520/2002 até 30 de dezembro de 2023. Esta prorrogação de vigência das leis anteriores teve como justificativa a inexistência de capacidade técnica da Administração Pública, em geral, para implantação e aplicação da nova Lei no prazo originalmente fixado.
Este prazo adicional, se por um lado confere certa margem de tranquilidade operacional aos gestores públicos, implica constituição de um relevantíssimo dever jurídico: o de adotar todas as providências necessárias para a implantação e aplicação da nova Lei de Licitações imediatamente, sob pena de responsabilização pessoal.
Explica-se.
A norma prevista no art. 11, parágrafo único da Lei nº 14.133/2021 estabelece que “a alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações”.
Por alta administração se deve compreender sejam os “gestores que integram o nível executivo do órgão ou da entidade, com poderes para estabelecer as políticas, os objetivos e conduzir a implementação da estratégia para cumprir a missão da organização”[1]. Em outros termos, a alta administração é integrada pelos agentes públicos a quem compete a prática de atos de gestão administrativa no plano da alta hierarquia administrativa (Chefes de Poder, Ministros, Secretários, Diretores, etc).
No plano da responsabilidade, a Medida Provisória fixou para a alta administração o dever jurídico de, no prazo adicional conferido, adotar todas as providências necessárias para a implementação e aplicação da nova Lei na organização pública.
O descumprimento deste dever jurídico caracterizará conduta de omissão própria. A omissão própria é caracterizada quando existe uma conduta determinada pela norma (no caso, a de adotar todas as providências necessárias para a aplicação da nova Lei a partir de janeiro de 2024), e esta conduta não é cumprida quando poderia ter sido.
E a omissão própria é responsabilizável.
Atente-se para que a nova Lei contém duplo comando no plano deste dever jurídico:
- Adotar todas as providências necessárias para que a nova Lei possa ser implantada e aplicada na organização pública até 30 de dezembro de 2023;
- As providências adotadas deverão atender os princípios da eficiência, da eficácia, da celeridade, da proporcionalidade e da economicidade.
Logo, deve-se concluir que este dever jurídico de adotar providências administrativas para a aplicação da nova Lei de Licitações não será cumprido se tais ditas providências não forem adotadas com o cumprimento do dever objetivo de cuidado.
A falta de cumprimento do dever objetivo de cuidado se materializa pela prática de condutas negligentes, imprudentes ou imperitas – elementos da conduta culposa.
Em outros termos, não basta a adoção de providências insuficientes e destituídas de rigor técnico para afastar a culpa, e, por decorrência, a responsabilidade.
Assim, pode-se deduzir da Lei que (i) deixar de adotar imediatamente as providências necessárias para a aplicação da nova Lei, ou, (ii) adotar providências insuficientes ou inadequadas, caracterizará o famigerado erro grosseiro (conduta maculada por grave negligência, grave imprudência ou grave imperícia) que atrai a responsabilização pessoal do gestor, nos termos do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 e do art. 5º da Lei nº 14.133/2021.
Lembre-se, ainda, que a Administração Pública teve dois anos para esta transição entre os regimes jurídicos. Este prazo era mais do que suficiente para a preparação, desde que as providências administrativas tivessem iniciado já em abril de 2021, o que não ocorreu na maior parte das organizações. Este aspecto constitui uma agravante no que diz com a responsabilidade do gestor em relação ao novo prazo fixado pela MP nº 1.167/2023.
Por fim, registre-se que a responsabilização pessoal por esta omissão própria pode se dar na instância administrativa ou civil (por erro grosseiro), e na instância da improbidade administrativa, se caracterizado o dolo específico na conduta omissiva.
Cuidado! A responsabilização pode ser evitada. Recomenda-se, para tanto, adotar imediatamente as providências necessárias para a aplicação da nova Lei de Licitações. Ainda que dezembro de 2023 pareça bem distante…
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[1] Portaria SEGES/ME nº 8.678, de 19 de julho de 2021, art. 2º, I.