Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:
“A Administração pode aceitar a alteração do valor global da proposta, em razão da correção de valores unitários, principalmente quando ela for a mais vantajosa, observado o princípio da economicidade?”
DIRETO AO PONTO
1) Confirmada a inadequação da planilha do licitante no caso concreto, a Administração deve viabilizar o saneamento antes de promover a sua desclassificação. Trata-se de solução pautada nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da finalidade, do formalismo moderado e da economicidade. Esta é a tendência legal e jurisprudencial sobre o assunto.
2) Há entendimentos diversos a respeito do reflexo que a redução dos preços unitários opera sobre o valor global da proposta: (i) é possível sustentar que o licitante pode redistribuir o excedente dos custos unitários inadequados para outros itens da planilha, com cautela para que não haja risco de configuração do chamado jogo de planilhas ou jogo de cronograma; (ii) é possível sustentar que o licitante deve reduzir proporcionalmente o preço total oferecido.
3) Se o licitante aceita reduzir o valor global na proporção em que se deu a redução dos valores unitários cotados equivocadamente a mais, não haverá qualquer irregularidade, sendo que a cautela da Administração versará sobre a aferição da exequibilidade da proposta. Exequível o valor global após a adequação, não há qualquer impedimento para aceitação da proposta com valor inferior àquele originalmente oferecido.
Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.
FUNDAMENTAÇÃO
Geralmente, mesmo nas licitações cujo julgamento se dá pelo menor valor global, é indispensável a análise dos valores unitários. Eventual exceção poderia ser aventada nos casos de obras e serviços de engenharia contratados sob o regime de empreitada por preço global ou empreitada integral, a exemplo do que foi disciplinado no âmbito da Administração Pública federal pelo Decreto nº 7.983/2013.
Isso porque, os preços unitários representam os custos que compõem o valor global e, nessa medida, são indicativos quanto à regularidade do preço final proposto.
Não por outro motivo, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas da União já se inclinaram sobre a necessidade de avaliar os preços unitários nas licitações cujo critério de julgamento baseia-se no menor valor global, sendo que tal análise é reforçada em licitação cujo objeto será executado, medido e pago segundo as quantidades especificamente prestadas. Uma das razões que permeia essa orientação é evitar os riscos envolvidos na contratação de propostas formuladas sob a estratégia do jogo de planilha ou jogo de cronograma.
Agora, eventuais equívocos na composição dos custos unitários não devem servir de fundamento para a desclassificação da proposta. Explicamos.
O art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, autoriza a realização de diligência “em qualquer fase da licitação”, tendo como objetivo viabilizar a tomada de decisões de forma mais segura e objetiva.
A finalidade maior da diligência é viabilizar a adequada instrução do processo e, consequentemente, possibilitar que a tomada de decisão seja da forma mais correta possível. Com a sua realização, suprimem-se dúvidas acerca do conteúdo dos documentos, o que potencializa a retidão das decisões a serem tomadas.
A tendência atual, muito influenciada pela noção de formalismo moderado e, sobretudo, com o objetivo de proteger o caráter competitivo da licitação, visando a obtenção da proposta mais vantajosa, reconhece que as diligências também devem permitir o saneamento/correção de falhas nas propostas quando analisadas em relação ao conjunto que encerra a oferta. Portanto, no presente, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório não possui caráter absoluto.
A discussão evoluiu a ponto de concluir que a licitação não é um fim em si, mas sim um procedimento destinado a selecionar a proposta mais vantajosa visando uma contratação futura.
Seguindo esse alinhamento, não apenas falhas formais, mas igualmente materiais poderiam motivar a oportunidade para saneamento. E isso, frise-se, sem que se desconsidere os princípios do processo de contratação, inclusive o tratamento isonômico.
Essa análise ganha um reforço na situação concreta, porque o possível vício tem relação com falha na indicação de custo componente da planilha de formação de preços. A esse respeito, é preciso considerar o caráter instrumental da planilha de custos que é, tão-somente, indicar os componentes que incidem na formação do preço.
A ideia acima foi incorporada na Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime de contratação pública da Administração direta, autárquica e fundacional:
Art. 12. No processo licitatório, observar-se-á o seguinte:
(…)
III – o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo;
(…)
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:
(…)
V – apresentarem desconformidade com quaisquer outras exigências do edital, desde que insanável.” (Destacamos.)
Recentemente, o entendimento relativo à amplitude do saneamento ganhou um reforço com o Acórdão nº 1.211/2021-Plenário, do TCU. De acordo com a interpretação feita pelo TCU, o licitante que não entregar determinado documento de habilitação ou da proposta no momento adequado, poderá fazê-lo posteriormente, devendo ser requerido e aceito pela Administração, desde que o documento retrate condição material pré-existente à abertura da sessão pública do certame. E mais, embora essa ideia parta da regulamentação estabelecida para o pregão eletrônico, ao que nos parece, sua racionalidade pode alcançar qualquer certame licitatório.9
Verificada a tendência legal e jurisprudencial em torno do saneamento da habilitação e das propostas, a análise residual incidirá em face dos possíveis reflexos decorrentes da redução dos preços unitários em relação ao valor global da proposta.
Por um lado, o saneamento é admitido, desde que não haja majoração do valor global do ajuste e que seja mantida sua aceitabilidade. Com isso, poderia haver a redistribuição para o lucro de valores excedentes à real incidência de determinado custo unitário, desde que todos se mantivessem aceitáveis à luz dos parâmetros delimitados pela Administração (já com eventual correção devida) e não houvesse aumento do valor global.
De outro lado, há entendimento no sentido de que seria admitido o saneamento da planilha, desde que reduzido o valor global proposto em face de eventual diminuição dos custos unitários cotados equivocadamente.
Nessa hipótese, a Administração não poderia admitir a majoração de outros itens da planilha ou do lucro, ainda que eles se mantivessem na margem de limite estabelecida no edital (com correção) e mantido o valor global. Nesse sentido o Acórdão nº 117/2014 – Plenário, Acórdão nº 2.440/2014 – Plenário e Acórdão nº 2.836/2008 – Plenário, todos do TCU.
Então, se a Administração solicita a correção dos valores unitários e o particular aceita promover a redução proporcional do seu valor global, não há qualquer impedimento na adoção dessa medida, de modo que a cautela é aferir a exequibilidade da proposta.
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