Foi editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público a Recomendação Conjunta Presi-CN nº 2, de 19 de junho de 2020. Esta recomendação versa sobre o controle de políticas públicas e tem conteúdo bastante importante no que tange à definição das atribuições de controle pelo Ministério Público.
Primeiramente, cabe indagar sobre o
alcance da recomendação. A sua ementa preceitua que foi editada para sugerir
critérios de atuação, pelo Ministério Público, na fiscalização de políticas
públicas. Deve ser interpretada esta expressão “políticas públicas” em seu
sentido amplo. Assim, se inserem neste conceito as políticas públicas
contratuais, ou seja, as definições do administrador público sobre o objeto e
as condições de uma contratação pública – não se limitando às políticas
públicas em seu macro sentido.
A recomendação contém disposições que
podem conferir segurança jurídica ao gestor público. Embora se trate de
recomendação, as disposições nela contidas, se descumpridas pelos integrantes
do Ministério Público, podem ensejar apuração de responsabilidade e
investigação da conduta praticada por Promotor de Justiça, Procurador de
Justiça ou Procurador da República no exercício das atribuições do cargo, para
identificação de eventual dolo ou erro grosseiro – que podem levar à
responsabilização pessoal, nos termos do disposto no art. 28 da Lei nº 13.655/2018.
Não é, então, disposição destituída de
relevância jurídica em razão da designação de “recomendação” – ao reverso, tem
conteúdo normativo, ainda que para delinear conduta que caracterize o erro
grosseiro de atuação.
Uma das razões para a edição da norma foi
o crescimento de conflitos de atribuição entre os diversos ramos e unidades do
Ministério Público Brasileiro, especialmente durante a pandemia de covid-19 –
editada, sob certo aspecto, para uniformizar os critérios de atuação ministerial.
Confira-se alguns pontos de destaque:
1.
Estabelece que a função ministerial é de controle e não de execução de gestão
pública: não cabe, assim, ao Ministério Público a análise do mérito da conduta
do gestor público, mas aferir se produzida de acordo com os valores e normas
legais e constitucionais;
2.
Não cabe ao Ministério Público a eleição de políticas públicas: o princípio da
separação de poderes confere ao Administrador Público a prerrogativa de definir
as políticas públicas. Ao Ministério Público cabe o controle das políticas
públicas eleitas pelo
Administrador Público na forma da Lei.
3.
Os membros do Ministério Público devem atentar para os limites de suas funções
institucionais: as funções institucionais são de controle, e não de gestão
pública.
4.
O controle dos atos normativos e de gestão produzidos pelas autoridades
municipais e estaduais compete ao Ministério Público Estadual.
5.
O controle dos atos normativos e de gestão produzidos por autoridades federais
compete ao Ministério Público Federal.
6.
Na fiscalização dos atos de execução de políticas públicas deve ser respeitada
a autonomia administrativa do gestor: o controle deve se limitar à avaliação
objetiva de legalidade formal e material. Caso a escolha administrativa não
viole norma ou princípio legal ou constitucional, deve ser respeitada.
7.
Diante da falta de consenso científico em relação a uma questão fundamental à
efetivação de uma política pública é atribuição legítima do gestor produzir a
escolha de uma dentre as posições divergentes, não cabendo ao Ministério
Público adoção de medida judicial ou extrajudicial destinada a modificar o mérito da escolha: não se trata de uma
espécie de “carta branca” ao gestor público. Se a conduta administrativa
caracterizar o erro grosseiro, haverá sempre possibilidade de responsabilização
do administrador público.
8.
Deve haver critério e racionalidade no exercício de poder requisitório, de modo
a permitir que os gestores mobilizem esforços na execução da política pública e
não na confecção de respostas.
Em análise crítica, por primeiro, tem-se que é inegável a importância, e mesmo a indispensabilidade da atuação do Ministério Público no controle da Administração Pública. Para dizer o mínimo, episódios recentes da história brasileira provam que a atuação do Ministério Público foi decisiva para o combate à corrupção, por exemplo.
As disposições da recomendação não podem ser interpretadas para coibir ou afastar os membros do Ministério Público do seu dever constitucional de controle.
Contudo, é preciso reconhecer que, por
vezes, a multiplicidade de ações de controle, ou mesmo o exercício da atividade
de controle sob parâmetros e premissas subjetivas de membros do Ministério
Público tem gerado situações de extrema insegurança jurídica. Há referências
expressas ao denominado “apagão das canetas”. Ou seja, o temor do administrador
público de ser responsabilizado por condutas adotadas, ou apenas o temor de
responder ação de improbidade administrativa, levam à inação, que pode ser
extremamente lesiva ao interesse público.
Bem interpretadas, as disposições da
recomendação podem produzir como efeito direto conferir mais segurança jurídica
para os agentes públicos quando da tomada de decisões – sem que isso implique
redução ou limitação indevida do necessário controle da Administração Pública
pelo Ministério Público.