Atualmente, a maior parte das concessões comuns e parcerias público-privadas brasileiras é estruturada por meio do procedimento de manifestação de interesse (PMI). Este instrumento é utilizado com frequência cada vez maior pela Administração Pública.
Por esta razão, a Zênite preparou um passo a passo (roteiro) para a sua implementação, elaborado a partir de obra de minha autoria [1], que em breve será publicado em edição da Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC).
Por ora, este comentário apresenta as linhas gerais do instituto, contendo uma brevíssima análise sobre o contexto em que se insere e suas principais características.
O PMI é um procedimento administrativo consultivo por meio do qual a Administração Pública concede a oportunidade para que particulares, por conta e risco, elaborem modelagens com vistas à estruturação da delegação de utilidades públicas.
Mais especificamente, a Administração Pública lança e conduz um edital de chamamento público para que os eventuais interessados sejam autorizados a apresentar estudos e projetos específicos, conforme diretrizes predefinidas, que sejam úteis à elaboração do edital de licitação pública e ao respectivo contrato.
O fundamento legal específico deste instituto encontra-se no artigo 21 da Lei Federal nº 8.987/1995 e no artigo 2º da Lei Federal nº 11.922/2009. De todo modo, a sua juridicidade pode ser extraída da Constituição Federal, uma vez que o procedimento representa uma oportunidade aprimorada para a manifestação de quatro direitos fundamentais do indivíduo: o direito de petição (alínea “a” do inciso XXXIV do artigo 5º), o direito de acesso à informação (incisos XIV e XXXIII do artigo 5º), o direito de participação na Administração Pública (parágrafo único e inciso II do artigo 1º e parágrafo 3º do artigo 37) e o direito à igualdade (artigo 5º e inciso XXI do artigo 37).
Sobre a disciplina legal deste procedimento, a prática comum tem sido a promulgação de decretos municipais e estaduais, embora isto não seja imprescindível, sendo suficiente uma resolução administrativa, se for o caso. De toda sorte, recentemente foi publicado o Decreto Federal nº 8.428/2015, que regulamenta este procedimento na esfera federal e pode servir como parâmetro para o estabelecimento de regulamentos locais.
Os benefícios teóricos do Procedimento de Manifestação de Interesse estão alinhados, em primeiro lugar, ao seu potencial de prover eficiência econômica aos contratos administrativos de delegação da prestação de utilidades públicas.
O compartilhamento de informações na etapa preparatória das licitações pode representar uma grande vantagem ao reduzir a assimetria informacional notada entre a Administração Pública e os particulares; ou seja, é o benefício que se extrai do alinhamento de interesses e de conhecimentos técnicos em momento anterior à definição das regras contratuais.
Assim, por institucionalizar a etapa preparatória, o PMI confere maior legitimidade ao projeto concessório e, com isso, maior segurança jurídica. Sob outro aspecto, o procedimento transfere os custos que seriam sustentados pela Administração Pública caso optasse pela contratação de consultores externos para a estruturação do negócio.
Em segundo lugar, mas não menos importante, existe o potencial benefício de eficiência democrática, pois uma das características do instituto é a necessária abertura à participação no processo de formação das decisões administrativas (inclusive para agentes que não representam os interesses de uma sociedade empresarial, como organizações da sociedade civil ou cidadãos comuns). Estima-se, portanto, um potencial para materializar uma democracia participativa.
O PMI insere-se em contexto político-social cujo diálogo entre a Administração Pública e os particulares é inevitável e necessário. Assim, atribui autonomia jurídica e institucionaliza esse relacionamento prévio à licitação pública, com procedimento administrativo e participativo próprio.
Vale mencionar que, embora o procedimento seja comumente empregado para a estruturação de concessões comuns e parcerias público-privadas, nada impede que seja aplicado a quaisquer outras necessidades públicas [2], embora haja algumas peculiaridades que dificultam esta possibilidade (como a vedação de que autores de projetos básicos participem da respectiva licitação pública, em certames regidos pela Lei Federal nº 8.666/1993, o que desestimula a participação de empresas em PMIs dedicados a contratos administrativos comuns).
De todo modo, de acordo com as normas jurídicas atualmente aplicáveis, apenas quando o PMI é dedicado à estruturação de concessões é que existe a possibilidade de previsão do ressarcimento dos dispêndios suportados pelos particulares que tiverem os seus estudos selecionados e utilizados na licitação pública.
Por fim, vale ressaltar que o ressarcimento dos dispêndios suportados pelos particulares, a adoção do material elaborado ou o próprio lançamento da licitação pública não constituem obrigações da Administração Pública. Ou seja, não há a garantia de que o material elaborado pelos particulares será efetivamente empregado e que a licitação pública será lançada, embora seja esperado que isso aconteça.
[1] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014
[2] A propósito, a Lei Federal nº 13.019/2014, recentemente promulgada, previu a existência do denominado Procedimento de Manifestação de Interesse Social (PMI Social), cujo objetivo é a estruturação de chamamentos públicos para a celebração de parcerias voluntárias com organizações da sociedade civil.