Não raras vezes, nos contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão-de-obra, as normas de Direito do Trabalho aplicáveis ao caso concreto conflitam diretamente com a necessidade administrativa a ser satisfeita.
E como a Administração Pública não pode admitir o descumprimento de tais regras, notadamente em razão de eventual responsabilização trabalhista subsidiária, é necessário encontrar, em cada situação, alternativas para “driblar” tal conflito.
É o que ocorre com a prestação de serviços de vigilância, regime 12x36h, em que se faz necessária a cobertura dos postos em período integral. Se adotarmos um raciocínio estritamente matemático, a cobertura de um posto demandaria 4 vigilantes (dois para o período diurno e dois para o período noturno).
No entanto, de acordo com o art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho, “em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de seis horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de uma hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de duas horas” (destacamos).
Ao confrontar a necessidade da Administração de cobertura integral do posto com a necessidade de proprocionar, no mínimo, uma hora de intervalo diário aos vigilantes (cuja jornada é de 12 horas), “a conta não fecha”. E a questão fica mais complicada se lembrarmos que necessidades fisiológicas humanas exigem que os obreiros se afastem do posto algumas vezes durante a longa jornada à qual se submetem.
A alternativa ideal para esse dilema seria a previsão de substitutos (ou rendeiros). Assim, enquanto os vigilantes alocados nos postos desfrutam do período de intervalo, ou mesmo nas demais saídas, os substitutos assumem os postos respectivos, garantindo a cobertura ininterrupta dos locais previamente definidos.
Ocorre que essa solução, apesar de ideal, eleva bastante a onerosidade da contratação, pois demanda a disponibilização de um profissional que será chamado apenas para cobrir as ausências dos vigilantes alocados na execução do contrato administrativo.
A fim de ilustrar a situação, imaginemos que a Administração tem cinco postos a serem cobertos em período integral, o que implica na contratação de 20 vigilantes no regime 12x36h. Nessa hipótese, o rendeiro deve ficar à disposição da Administração durante uma jornada completa (12h), a fim de cobrir todas as saídas referentes aos cinco postos existentes. Diante disso, a fim de garantir a não interrupção do serviço, o contrato cumpriria abarcar mais 4 de vigilantes (2 diurnos e 2 noturnos), totalizando 24 trabalhadores, acarretando em um aumento de 20% do valor imaginado para o ajuste.
Em razão do impacto financeiro dessa solução, que pode não ser compatível com o planejamento da Administração, sugerimos outra alternativa ao problema exposto, que, apesar de não configurar o ideal, mostra-se viável: a não concessão do intervalo intrajornada com o pagamento da indenização respectiva (semelhante ao que ocorrer com a hora extra – valor da hora mais 50%). Essa prática é reconhecida pelo Tribunal Superior do Trabalho (por todos, citamos: TST. RR-148700-97.2008.5.03.0075. 6ª Turma. Relator: Ministro Augusto César Leite de Carvalho. Data de Publicação: DEJT 07/10/2011).
O problema dessa solução resulta no fato de que, mesmo sem a concessão do intervalo intrajornada (com o pagamento da indenização respectiva), os postos, eventualmente, ficarão descobertos. Ora, os vigilantes precisam, ao menos, utilizar o banheiro e se alimentar, de modo que, em algum momento da jornada, o posto ficará vazio.
Sendo adotada essa medida, a Administração deve avaliar o potencial risco de cada posto ficar desprotegido, e, com base nisso, estruturar, um método (a exemplo de um rodízio), no sentido de que apenas o posto que apresenta menor risco fique descoberto nesses períodos.
Tal solução, como se pode ver, baseia-se na ideia da reserva do possível, pois, diante da eventual impossibilidade de assumir um aumento significativo no valor do contrato para a previsão de rendeiros, esta é a única alternativa lícita para o atendimento da necessidade administrativa (ainda que de forma deficiente).
O problema aqui tratado representa, como já dito, uma daquelas situações em que a regra jurídica não se conforma ao caso concreto. E não há solução perfeita: diante da impossibilidade de alterar a norma aplicável, tentamos mostrar meios para viabilizar a situação fática, de modo que o ordenamento jurídico seja respeitado e a necessidade administrativa, satisfeita, mesmo que não da melhor maneira possível.