Recente decisão do TCU discutiu a obrigatoriedade da adoção de repactuação como forma de recomposição de preços em contratos de prestação de serviços de duração continuada com emprego de mão de obra e fornecimento de material[1]. Na hipótese, o Plenário do TCU considerou que, em contratos desta natureza, quando os custos da mão de obra forem preponderantes na formação do preço contratual deve ser utilizada a repactuação como forma de recompor os preços, sendo possível a utilização de reajuste – aplicação de índices gerais ou setoriais previstos no contrato – quando não houvesse prevalência dos custos da mão de obra no preço do contrato.
A conclusão firmada pelo Tribunal – que apreciava um pedido de reexame formulado pela ECT contra decisão Plenária que determinou que em seu Manual de Licitações passasse a constar a repactuação como forma de recomposição de preços em seus contratos[2] – adotou como premissas a distinção existente entre os conceitos de reajuste e repactuação, bem como os consectários jurídicos dessa distinção, evidenciando sua relevância em matéria de reequilíbrio econômico-financeiro.
A despeito de sua inequívoca relevância, observa-se tanto na doutrina como em decisões judiciais, frequentes impropriedades técnicas quando da utilização dos referidos institutos, utilizando-se, por vezes, um pelo outro, como se de nenhuma importância fosse o rigor de sua distinção. Todavia, nessa matéria, a classificação doutrinária é de todo útil e necessária à preservação do equilíbrio econômico-financeiro no contrato administrativo uma vez que, conforme seja o objeto da contratação, o equilíbrio inicial entre o preço pago pela Administração e a obrigação assumida pelo particular estará melhor resguardado por uma ou outra forma de recomposição.
Ao propósito de distinguir as figuras da recomposição, revisão, repactuação e reajuste contratual oportunas e elucidativas são as considerações de Renato Geraldo Mendes em recente obra sobre o processo de contratação pública[3]. Didaticamente, o autor diferencia os institutos em comento da seguinte forma:
Recomposição é a uma expressão genérica que designa todo e qualquer reequilíbrio da equação econômico-financeira, por força de revisão, reajuste ou repactuação. (…) Portanto, recomposição é gênero do qual são espécies a revisão, o reajuste e a recomposição. Revisão é, por sua vez, a recomposição do “R” em razão de desequilíbrio extraordinário e extracontratual. (…) O reajuste e a repactuação, basicamente, são formas de revisão do “R” em razão de desequilíbrio ordinário e contratual, ocasionado pelo processo inflacionário. O reajuste e a repactuação recompõe a perda inflacionária relativamente ao material e à mão de obra que integram o “E”. (…) O que diferencia o reajuste da repactuação é simplesmente o fato de que no reajuste, a recomposição do “R” é feita por meio de um índice geral ou específico. Na repactuação, a recomposição é realizada com base na variação de custos de insumos previstos em planilha de composição de preços.[4]
Do excerto transcrito, conclui-se que o ordenamento jurídico contempla diversas formas de restabelecer-se o equilíbrio econômico-financeiro no contrato administrativo de modo a abarcar tanto os casos em que o desequilíbrio decorra de situações imprevisíveis, como aumento da carga tributária (hipótese de revisão), quanto de situações previsíveis, como a perda do poder aquisitivo da remuneração paga ao particular decorrente de processo inflacionário (hipótese de reajuste ou repactuação).
Ainda, observa-se que no caso do reajuste e da repactuação a distinção tem em vista as diferentes formas de composição do preço, seja por meio de planilha de custos ou valor nominal. Assim, se o preço foi expressado por meio de uma planilha de custos, sobrevindo desequilíbrio na relação remuneração-encargo, o restabelecimento do equilíbrio inicial ocorrerá pela comparação entre a planilha de composição de custos inicial com uma planilha de composição de custos atual, isto é, por meio de repactuação. Por outro lado, se o preço contratual houver sido expressado por um valor, não decomposto o custo de seus elementos, poderá ser recomposto pela aplicação de índice geral ou específico previsto no contrato, ou seja, por meio de reajuste.
Ao decidir que nos contratos de prestação de serviços de duração continuada, em que não haja prevalência de custos de mão de obra, poderá ser adotado o reajuste como meio de recomposição o TCU parece haver tentado conciliar a estrita legalidade com a distinção conceitual de repactuação e reajuste.
A decisão do Tribunal, que se alinha à jurisprudência já existente, fundamentou-se, inicialmente, nas previsões dos artigos 4º e 5º do Decreto 2.271/97[5] que, ao dispor sobre a contratação de serviços na Administração Pública Federal, prevê a repactuação como forma de recomposição dos preços do contrato de duração continuada e veda a utilização do reajuste. Assim, aplicada a norma legal em seus estritos termos, o entendimento seria de que nos contratos de serviços com fornecimento de material e emprego de mão de obra a forma de recomposição a ser adotada deve ser a repactuação.
Todavia, quando os contratos de serviços abrangem emprego de mão de obra e fornecimento de materiais é certo que seu preço será expressado por planilhas de custos quanto à mão de obra e por valor determinado para cada item de material empregado.
Assim, no intuito de dar cumprimento ao preceito legal e, ao mesmo tempo, reconhecer a existência de diferentes formas de composição do preço contratual, o TCU optou pelo critério da preponderância chegando ao entendimento de que nos casos em que o preço contratual for preponderantemente composto pelos custos da mão de obra, deve ser aplicado o Decreto nº 2.271/97, promovendo-se a recomposição dos preços por repactuação. Por outro lado, prevalecendo os custos de material, poderá ser adotado o reajuste, com fundamento na Lei nº 8.666, art. 40, XI e 55, III.
À luz da distinção conceitual de repactuação e reajuste – que tem como premissa a expressão do preço contratual em planilhas de custos ou simples valor – entretanto, o melhor entendimento seria que nas contratações de serviços que abrangessem emprego de mão de obra e fornecimento de materiais, o contrato contemplasse ambas as possibilidades de recomposição de preços, ou seja, repactuação para a variação dos custos da mão de obra e o reajuste para a variação dos preços de materiais.
Ao estabelecer que a recomposição de preços de material e de mão de obra ocorra em um mesmo momento, por meio de uma única repactuação anual, atrelada à data estabelecida para aumento de salários da categoria envolvida, a Corte de Contas acabou por possibilitar que os preços de material sejam alterados em período inferior a um ano, promovendo, em prejuízo do erário, elevação injustificada e indevida do preço contratual. Assim, a adoção de repactuação e reajuste em um mesmo contrato evitaria esta inconveniente consequência derivada do atual posicionamento do TCU.
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[1] Acórdão nº 3.388/2012-Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz, j. em 05.12.2012.
[2] Acórdão nº 2.219/2012-Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, j. em 22.08.2012.
[3]MENDES, Renato Geraldo. O Processo de Contratação Pública – Fases, Etapas e Atos. Curitiba: Zênite, 2012.
[4] Op. Cit. p. 407. O autor utiliza as expressões encargo (E) para designar o conjunto de obrigações atribuído pela Administração ao particular e remuneração (R ) para designar a remuneração paga pela Administração ao particular, de modo que deve ser assegurado o equilíbrio entre E e R ao longo de toda a relação contratual.
[5] Art . 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam: I – indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custos; II – caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra; III – previsão de reembolso de salários pela contratante; IV – subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante;
Art . 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstrarão analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.