Convivendo há semanas com as adversidades decorrentes da crise reflexo da Pandemia – coronavírus, a Administração tem se deparado com os mais diversos desafios na gestão de suas licitações e contratos.
É
possível considerar determinado serviço “essencial” para a realidade
administrativa, a despeito de não ter sido incluído em rol descritivo,
constante de decreto estadual/municipal? Essa análise condiciona a
continuidade
de licitações instauradas (ou a instaurar) ou a manutenção de contratos
firmados? Na medida em que boa parte dos servidores públicos estão
executando suas atividades em
home office, pode a Administração determinar unilateralmente a
suspensão da execução de determinados contratos? Cabe revisão? E
supressão? A alta do dólar pode reproduzir impacto, nesse mesmo cenário
de Pandemia, autorizando eventual revisão contratual?
Que negociações podem ser implementadas?
As dúvidas não são poucas. E o que é pior, o reflexo de eventuais decisões não sopesadas adequadamente podem reproduzir consequências drásticas, seja para o Erário, seja para a sociedade.
Não é suficiente, como usual, direcionar a análise de questões como as acima exemplificadas a partir da simples aplicação das normas vigentes, e pensando exclusivamente nas necessidades do órgão ou entidade contratante.
Há um aspecto nodal que precisa ser considerado: ponderar o binômio responsabilidade social X interesse público (em sentido estrito), buscando encontrar soluções que, na medida do possível, minimizem os reflexos negativos da crise nas relações de trabalho/iniciativa privada e, paralelamente, impactem o menos possível no orçamento de órgãos e entidades.
É essencial à Administração demonstrar o cenário excepcional e, em vista da repercussão das suas decisões, reunir elementos suficientes para definir o procedimento que se mostra razoável, proporcional, adequado e condizente com a extraordinariedade do cenário, tomando em conta todo o esforço atual em relação aos impactos sociais e econômicos.
Mas é natural, até em função da realidade inesperada da crise, que o clima dentre os agentes públicos seja de desinformação, dúvida, medo relativamente à eventual responsabilização caso adotadas determinadas alternativas.
Para contornar essa dificuldade, desde que os reflexos da crise começaram a atingir as contratações públicas, a Zênite tem orientado a constituição de um “Comitê de Crise”, submetido à autoridade máxima da Administração e composto por uma equipe multidisciplinar (a exemplo de membros da assessoria jurídica, dos setores requisitantes, de comissões especialmente designadas para promover estudos acerca do gerenciamento de riscos envolvidos, entre outros), que especialmente oriente as diretrizes gerais estratégicas da Administração.
Esse Comitê poderá estabelecer critérios e/ou orientar as negociações a serem estabelecidas no bojo dos contratos afetados, bem como em relação aos processos de contratação em andamento e aos a serem iniciados, coordenando e centralizando as orientações gerais sobre o tema.
Com isso confere-se maior segurança jurídica aos gestores de setores como planejamento, licitações e contratos, com atribuição de responsabilidades no desenvolvimento do processo decisório, bem como eficiência nas tratativas.
Dois enunciados da Lei nº 13.655/18, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, subsidiam essa medida:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.”
Se uma das grandes razões da alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro está relacionada à segurança jurídica, especialmente à repercussão de decisões definidas em vista das circunstâncias concretas, bem como de políticas públicas incidentes, então, nada mais coerente do que criar uma instituição – a qual intitulamos “Comitê de Crise” -, com a atribuição de definir orientações gerais aos agentes públicos atuantes nos processos de contratação pública do órgão ou entidade considerando o cenário extraordinário, fruto da Pandemia.
Algumas instituições públicas já contam com estratégia semelhante. Confira, a título de exemplo:
– IFSC – INSTITUTO FEDERAL DE SC (https://www.ifsc.edu.br/noticia/1878911/comit%C3%AA-permanente-de-gest%C3%A3o-de-crises-do-ifsc-atua-durante-a-pandemia-da-covid-19);
– CRM/ES – CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (http://www.crmes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21942:2020-03-20-13-22-42&catid=3:noticias&Itemid=462);
– PREFEITURA DE ITUPORANGA, por meio do Decreto municipal nº 33/2020
(https://leismunicipais.com.br/a/sc/i/ituporanga/decreto/2020/4/33/decreto-n-33-2020-institui-o-comite-de-gerenciamento-da-crise-para-enfrentamento-da-pandemia-causada-pelo-covid-19-coronavirus).