A Lei das Estatais e o regime único para as empresas prestadoras de serviço público e as prestadoras de atividade econômica

Estatais

A abrangência da nova Lei de Estatais vai de encontro à opinião majoritária da doutrina e da jurisprudência no que se refere à criação por ela de um regime único no que toca às atividades desempenhadas por tais empresas, independente do objeto de suas atividades.

Segundo o seu artigo primeiro, as regras instituídas pela Lei valem para as estatais que atuam no campo privado da economia e também para as atividades que se qualifiquem como serviço público ou sejam exploradas em regime de monopólio. Deste modo, uniformizou o legislador as regras previstas pela Lei 13.303/2016, notadamente as referentes ao regime de contratos. Privilegiou assim um critério estrutural (a empresa), em detrimento da atividade por ela desenvolvida (atividade econômica em sentido estrito ou serviço público).

Como se sabe, contudo, a separação entre atividades que se caracterizam como serviço público e as definidas como atividades do domínio privado conduziu a diversas deflexões no regime das estatais (que se submetem ao regime obrigacional privado). Em regra, a exploração de serviço público traria consigo uma maior incidência das normas relativas ao exercício de atividades públicas.

Nestes casos, diversas regras caracterizadoras do regime privado dos contratos seriam afastadas para que normas de natureza pública fossem aplicadas. Normas sobre imunidade tributária, sobre regime de pagamento por precatório e impenhorabilidade de bens, por exemplo, já foram invocadas para proteger o caráter público das atividades desenvolvidas por estatais. Isso conduziu à dificuldade de fixar qual o regime jurídico das empresas estatais que exploram atividades descritas como serviços públicos. Em especial, muitas vezes a atração de normas públicas para o regime de pessoas privadas trouxe efetiva insegurança para os particulares que se relacionam com o setor empresarial da Administração. Afinal, o particular que com ela negocia sempre poderia ser surpreendido pela modificação da relação, apelando-se a elementos afeitos à questões estatutárias decorrentes da Lei 8.666/93, ainda que à margem do contrato.

Diante da modificação levada a efeito, cumpre, portanto, colocar a questão: qual o alcance de Lei 13.303/16 ter indicado que sua aplicação se faz para todas as estatais, independente da atividade que desenvolvam?

Com efeito, a principal alteração é trazer o regime de contratos privados para as atividades desenvolvidas pelas estatais, independentemente de ela se qualificar como serviço público, ou não.

Nesse sentido, note-se que o art. 69 da Lei não prevê a incidência das chamadas cláusulas exorbitantes, assim como indica-se de modo claro que as alterações no contrato devem se dar de modo bilateral (art. 72). Ajusta-se assim o contrato às disposições constitucionais que estipulam o regime privado como sendo o natural das empresas estatais. Nessa linha, a previsão de cláusulas que implementam vantagens às estatais dependerá de previsão contratual expressa. Ganha relevo, portanto, o instrumento contratual como centro de gravidade da relação jurídica, evitando-se certos sincretismos hermenêuticos, que colhiam as vantagens do regime privado, mas esquivavam-se dos ônus correlatos.

E embora essa solução tenda a desagradar a muitos, fato é que ela é perfeitamente possível. A liberdade de conformação do legislador não está obrigada a prestar culto às categorias da doutrina. No Brasil nunca custa lembrar que cabe à doutrina explicar o direito positivo e não ser o super-ego do Legislador. Em primeiro lugar, o art. 173 da Constituição é claro ao indicar a incidência do regime privado às estatais. A menção do referido texto a “atividades econômicas” não significa de modo algum que o Legislador tenha se filiado às definições doutrinárias acerca do tema. Daí portanto ser perfeitamente legítimo que o Legislador tenha definido de modo uniforme o regime obrigacional (especialmente no que se refere a contratos).

Ao optar por organizar a prestação de atividade por meio de estatais, a Administração está, portanto, vinculada a adotar o regime previsto em lei, deixando de lado as prerrogativas que lhe caberiam caso atuasse por meio das pessoas jurídicas de direito público. A Lei 13.303/2016 mostra que é chegada a hora de levar a sério a opção constitucional pelo direito privado no que se refere às relações obrigacionais das estatais.

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