Dizia Cora Coralina em seu poema semeando o otimismo: “mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”
Temos assistido diariamente no cenário jurídico e noticiário nacional, infinitas publicações sobre escândalos de corrupção, delações premiadas e acordos de leniência, condenações e prisões de gestores públicos e executivos de grandes entidades e corporações, principalmente após a deflagração da Operação Lava-Jato e os mais de 30 desdobramentos que a sucederam.
Diante de todo este contexto, ainda verificamos instituições públicas e privadas que não adotam práticas de Compliance em suas atividades ou, que ainda que possuam um Código de Conduta e Políticas de Integridade, não contam com quaisquer processos, áreas ou comitês sobre o tema, e que acreditam que a simples formalização de documentos são suficientes para a redução de eventuais sanções previstas na Lei Anticorrupção.
A Lei nº 13.303/2016, denominada Lei das Estatais, reforça a importância do tema e estabelece a exigência de regras de Governança Corporativa e práticas de Compliance nas atividades de empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais refletirão não apenas em seus processos internos, mas também em suas contratações e relacionamentos com o público externo (fornecedores, terceiros, agentes públicos, etc.).
Dentre as práticas de Governança exigidas, destaca-se a criação de instâncias internas para atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade, canal que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas e mecanismos de proteção à retaliação do denunciante, treinamentos periódicos sobre o Código de Conduta a seus empregados, Políticas de Gestão de Riscos, análise de pré-qualificação de fornecedores com a exigência de consulta ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e matriz de riscos nos contatos de obras e serviços como cláusula contratual.
Porém, o que é mesmo relevante de todo esse cenário, é que junho de 2018 é o marco temporal para a obrigatoriedade de implantação de uma efetiva gestão de riscos e compliance nas Empresas Estatais, ainda que as empresas não sejam consideradas de “grande porte”.
Essa regra, pela intelecção do artigo 1º, parágrafo 1º conjugado ao artigo 6º, é obrigatória a toda e qualquer estatal a partir de 30 de junho de 2018[1], que, para além da criação de estruturas práticas de gestão de risco e compliance, deverão incluir nos anexos de seus contratos, uma efetiva e necessária matriz[2].
Nesta nova sistemática, os riscos não devem ser alocados de forma aleatória pela Estatal, ao contrário, devem ser alocados de forma racional e eficiente, de acordo com a maior ou menor capacidade de cada um dos parceiros em mitigá-los. Assim, deve-se buscar imputar cada um dos riscos à parte que, ao menos em tese, for a mais apta a evitá-los, mitigá-los ou eliminá-los a um menor custo, onerando da menor forma possível a execução contratual. Daí porque a repartição objetiva de riscos não impõe uma distribuição equivalente e sim uma distribuição equitativa, de base racional, alocando-se a cada parceiro os riscos que pode mais eficientemente gerir.
Deve-se tomar cuidado, nessa medida, para que a alocação de riscos ao privado não seja excessiva a ponto de onerá-lo em demasia, obrigando-o a assumir e mitigar riscos que seriam muito melhor absorvidos pela Estatal. Tal situação fatalmente desembocaria em situações como uma excessiva oneração do contrato, à medida que quanto mais riscos o particular assumir, maior será a remuneração exigida para geri-los.
Por outro lado, é igualmente certo que os riscos não são todos previsíveis e antecipáveis pela Administração Pública no momento da licitação – senão não haveria que se falar em teoria da imprevisão e álea extraordinária, expressamente referidas no próprio art. 5º, III da lei. Diante disso, a nova sistemática não elimina a possibilidade de ocorrência de eventos imprevisíveis (e nem teria como, ainda mais num contrato de longa duração), mas ao menos determina que já se proceda de antemão à indicação de quem será o responsável por arcar com cada espécie de imprevisibilidade – podendo tal indicação ser revisada ao longo dos anos, em períodos de revisão contratual previamente estipulados.
Não cabe mais às Estatais a cômoda posição de nada fazer, nem sequer de buscar modelos já aplicados, pois a Lei das Estatais e os órgãos de controle as obrigam a agir, a criar parâmetros e mecanismos específicos até a data de 30 de junho de 2018, para que não haja responsabilização por omissão dos agentes envolvidos, é preciso – parafraseando Cora Coralina – decidir, para não sucumbir ao prazo que se esgota.
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[1] Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.
1º O Título I desta Lei, exceto o disposto nos arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 11, 12 e 27, não se aplica à empresa pública e à sociedade de economia mista que tiver, em conjunto com suas respectivas subsidiárias, no exercício social anterior, receita operacional bruta inferior a R$90.000.000,00 (noventa milhões de reais).
Art. 6º O estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias deverá observar regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno, composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção, todos constantes desta Lei.
[2] Art. 69. São cláusulas necessárias nos contratos disciplinados por esta Lei:
X – matriz de riscos.