Nos últimos post´s, vimos:
- que para realizar licitação é fundamental assegurar tratamento isonômico;
- que só é possível assegurar tratamento isonômico por meio de critério objetivo de julgamento;
- que as soluções do GRUPO II são aquelas que não podem ser definidas, comparadas e julgadas por critérios objetivos;
- que não é possível escolher um livro (a obra intelectual) empregando critérios objetivos de julgamento;
- que o “livro” é, na verdade, uma obra intelectual veiculada por meio de uma mídia que chamamos de livro;
- que não é possível definir, comparar e julgar os trabalhos intelectuais empregando critérios objetivos de julgamento;
- que, portanto, não é possível contratar trabalhos intelectuais por meio de licitação!
Essa última conclusão provoca em nós, habituados ao universo da contratação pública, alguma reação. Como a colega Araune Cordeiro afirmou com propriedade em seu post[1], ouvimos muito mais de 100 vezes que a licitação é regra e a dispensa e inexigibilidade são exceções.
Pois bem, dispensa e inexigibilidade não são exceções, mas caminhos distintos que se prestam a finalidades também distintas. Quando estiver presente a inviabilidade de competição, configurada pela impossibilidade de aplicar critérios objetivos, a inexigibilidade se imporá, em detrimento da licitação.
No último post demonstrei a vocês, por meio do exemplo da escolha de um livro, que obras intelectuais não são passíveis de definição, comparação e julgamento por critérios objetivos.
Quando se traz a baila uma proposição como essa que fizemos, de que não é possível licitar trabalhos intelectuais, colocamo-nos em constante validação da ideia, o que nos faz ficar atentos a exemplos e possibilidades que confirmem ou, por que não, desconstruam a tese.
Diante disso, gostaria de compartilhar com vocês um vídeo que mostra como é impossível, definir de forma objetiva o que se quer de alguém que deverá criar uma solução intelectual para atender a uma necessidade.
Há algum tempo assisti a um episódio de uma série americana chamada Mad Men, em que o contexto é o seguinte:
“A série passa-se na década de 1960, inicialmente na agência de publicidade fictícia Sterling Cooper, localizada na Madison Avenue, em Nova York. O foco da série é o personagem Don Draper (Jon Hamm), diretor de criação da Sterling Cooper e um dos sócios-fundadores da Sterling Cooper, bem como as pessoas que fazem parte da sua vida, tanto dentro quanto fora do escritório. A trama tem como foco a parte profissional das agências de publicidade, bem como as vidas pessoais dos personagens que trabalham nelas, e mostra as mudanças sociais ocorridas dos Estados Unidos da época.” Grifamos. (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mad_Men>. Acesso em: 22 ago. 2013, às 14h30min.)
O que nos interessa nesse contexto é que o trabalho desenvolvido por uma agência de publicidade é intelectual. Portanto, impassível de definição, comparação ou julgamento por meio de critérios objetivos.
No episódio do qual foi extraído o vídeo que compartilharei com vocês, o personagem Don Draper é contratado para criar a campanha publicitária para um novo produto da Kodak. O homem que apresenta o trabalho para Don define o produto, que será objeto da campanha, como uma “tremenda máquina”, “rotativa” e “que não trava”. Don acrescenta que a Kodak “reinventou a roda”. O homem termina dizendo que a contratante pretende sejam utilizadas as palavras “pesquisa” e “desenvolvimento” nos anúncios, mas que se pudesse encontrar um jeito de incluir “roda” e “futuro” seria muito bom.
Vejam que há uma breve descrição de como deveria ser o anúncio, inclusive com alguns requisitos objetivos, tais como o emprego de determinadas palavras. Descrição essa passível, inclusive, de ser feita num edital de licitação.
No entanto, quando falamos de trabalho intelectual, não é possível definir quantas variantes são necessárias para a produção de um conteúdo. Por certo que experiência conta, mas e a criatividade?! Há pessoas que conhecem muito, mas criam pouco!
Você pode dizer que quer contratar alguém experiente, mas e se a experiência limitar o profissional a fazer apenas aquilo que ele conhece, sem inovar?! Como ele irá encontrar uma solução que atenda a sua necessidade se não conseguir manejar aquilo que “sabe” com “capacidade de inovação”?!
No caso da contratação de serviços intelectuais, muitas vezes uma empresa ou pessoa é contratada para projetar a solução para uma necessidade da Administração. Podemos citar como exemplo a construção de um viaduto. A Administração decide que a solução para transpor determinado trecho é um viaduto, mas contrata um terceiro capacitado (pessoa ou empresa) para elaborar o respectivo projeto.
Nesse caso, o contratado deverá utilizar tudo que sabe (experiência) e adaptar com criatividade o projeto do viaduto à extensão, terreno, materiais, sustentabilidade, economicidade, rapidez, etc. Agora fica a dúvida, como isso tudo se processa nas nossas cabeças?! Como funciona o trabalho intelectual que fazemos diariamente? Já pararam para pensar a quantidade de decisões que tomamos diariamente, pautados na criatividade, experiência, engenhosidade?
Voltando ao vídeo, esse episódio da série nos mostra como a construção de um trabalho intelectual é complexa e a quantidade de elementos que podem ser manejados para criar é infinita!
Como se trata de um pequeno trecho, que mostra a definição do que o cliente quer (edital), a parte em que o personagem é tocado pela inspiração e o resultado final do trabalho, é importante que saibam, antes de assistir, que o personagem Don: 1) é marido e pai ausente; 2) descobre, em um telefonema, que alguém do seu convívio se suicidou; 3) e que a incidência desses dois fatores dá origem a campanha que a Kodak queria, mas sequer soube definir[2]… Vamos ao vídeo:
A escolha desse exemplo, relacionado à contratação de serviços de publicidade, vai ao encontro da afirmação que fiz no post nº4, acerca da impossibilidade de contratação de serviços de publicidade e demais trabalhos intelectuais por meio de licitação.
As exigências da Kodak foram simples, a inclusão de alguns termos para que se passasse a ideia de produto inovador. No entanto, não houve necessidade de incluir nenhum dos termos sugeridos por ela para que o contrato fosse cumprido. Não foi possível definir, comparar e julgar objetivamente, mas a necessidade da contratante foi atendida!
Esclareça-se que sabemos o motivo que nos levou a atual vedação da contratação de serviços de publicidade e divulgação por meio da inexigibilidade, mas não se resolve o problema desnaturando a finalidade das coisas, mas sim dando tratamento adequado aos responsáveis pela utilização deturpada do instrumento.
[2] Seria possível ao contratante imaginar que esses fatos/características dariam origem a uma ideia genial na área da propaganda?