Quem tem medo da inexigibilidade? (6) Como NÃO devemos escolher um livro

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Vimos no último post que as soluções do GRUPO I, tidas como comuns, homogêneas, uniformes e padronizadas são aquelas que podem ser definidas, comparadas e julgadas por meio de critérios objetivos, o que garante o tratamento isonômico e impõe, consequentemente, que a contratação seja realizada por meio de licitação.

Conforme prometido, iremos tratar agora das soluções do GRUPO II e, finalmente, adentraremos na tão falada inexigibilidade.

 

São características das soluções do GRUPO II:

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GRUPO II

 

Parece vago, não é?! Mas tudo fica mais simples com um exemplo. Há alguns dias atrás decidi que precisava ler um livro para melhorar minha capacidade de concentração.

Meu primeiro passo foi procurar na internet livros que tratassem do assunto. Afinal, a internet oferece a comodidade de não ter que se deslocar e a possibilidade de buscar o menor preço em diversas lojas virtuais.

Essa minha primeira busca “caiu por terra” quando acessei as sinopses dos livros nos sites das livrarias. Compartilho com vocês algumas delas:

“Tomando como base pesquisas científicas, este livro apresenta uma análise do que atrapalha a concentração e revela o que é necessário fazer para recuperar essa arte.”

“Este livro apresenta vários exercícios de treinamento da concentração, que vão desde a forma de respirar, passando pelo treinamento dos sentidos (audição, visão, tato), até treinamentos da memória e de atividades múltiplas. Os exercícios apresentados devem ser realizados na sequência apresentada nos capítulos. Ao longo do texto, vários exemplos de problemas cotidianos são apresentados, e frases positivas que elevam o pensamento são citados para ensinar a condicionar o pensamento positivo.”

“visa ajudar as pessoas com dificuldade de concentração a aumentarem sua atenção e produtividade com um método que mescla técnicas milenares comprovadas com pesquisas nos campos da psicologia, biologia e neurociência.”

 

Agora pergunto: qual livro vocês escolheriam? Que critério seria possível utilizar para realizar essa escolha?

  • “O livro cuja sinopse fosse mais detalhada ou a mais curta.” A sinopse é apenas um resumo do livro, não é possível avaliar o conjunto da obra por ela.
  • “O livro do autor mais famoso.” Eu não conhecia nenhum.
  • “O livro que tivesse mais páginas.” Tamanho não é documento.
  • “O livro de menor preço.” Será que a escolha pelo menor preço satisfaria minha necessidade?
  • “O livro mais vendido.” O fato de muitos terem lido não é garantia de que serviria para mim.

Enfim, cheguei à conclusão de que deveria me deslocar a uma livraria, verificar o sumário, folhear e ler de forma sucinta cada um dos livros. Por quê? Porque nenhuma das sinopses (definição/descrição) ou dos critérios objetivos de julgamento que sugeri acima seria suficiente para garantir que a escolha atenderia minha NECESSIDADE.

Sabem por quê?

  • Porque o conteúdo/informação trazido por um livro não é passível de definição objetiva. Podemos dizer que esperamos que o livro trate de determinado assunto de forma clara e objetiva, por exemplo. Como apurar essa clareza e objetividade senão avaliando a obra de forma subjetiva? Afinal, é nosso intelecto que fará isso por meio da leitura.
  • Porque o conteúdo/informação trazido por um livro não é passível de comparação objetiva. É possível comparar o conteúdo de livros sem  considerar a opinião/impressão de quem analisa? Como dizer, por exemplo, qual o livro de José Saramago que melhor retrata a natureza humana? Novamente, não há como comparar sem realizar uma análise subjetiva.
  • Porque o conteúdo/informação trazido por um livro não é passível de julgamento por critérios objetivos. A escolha do livro que tivesse o menor preço, o maior número de páginas, a maior fonte (tamanho da letra) garantiria o atendimento da minha NECESSIDADE? Sabemos que não.

Na livraria tive oportunidade de verificar o sumário, folhear e ler de forma sucinta cada um dos livros e pude fazer a escolha mais acertada para satisfação da minha necessidade. No entanto, esclareça-se, que essa escolha não se baseou em critérios objetivos, mas sim subjetivos. Escolhi o livro que se mostrou mais apto a satisfazer minha necessidade, mas não empreguei nenhum critério objetivo para isso.

Alguns vão dizer que eu ainda posso comprar o livro pelo menor preço. Sim, eu posso, mas só depois de ter escolhido o livro que pretendo comprar. Livro (o conteúdo) não se escolhe pelas suas características objetivas, ao contrário, livro se escolhe por características subjetivas.

As soluções do GRUPO II são assim, não podem ser definidas, comparadas e julgadas por meio de critérios objetivos, porque esses critérios objetivos não garantem o atendimento da NECESSIDADE.

Vimos que para realizar licitação precisamos que a solução seja do GRUPO I, ou seja, deve ser possível definir, comparar e julgar por meio de critérios objetivos, de forma a garantir tratamento isonômico.

Penso que o livro é um bom exemplo de objeto que não pode ser definido, comparado e julgado de forma objetiva. Aliás, o que é um livro? Vamos ver a definição trazida por um dicionário: “A obra intelectual publicada sob forma de livro.”[1] Então o livro “nada mais é” que uma obra intelectual.

Sim, estamos querendo dizer que os trabalhos intelectuais pertencem ao GRUPO II e não podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos. Ora, se não é possível utilizar critérios objetivos de julgamento, como poderíamos realizar licitação?!

Por meio desse post adentramos, de forma ainda sútil, no universo da inexigibilidade. Há necessidade de explorar e aprofundar mais, o que faremos na sequência. Por hora os deixo em reflexão, porque sabemos que a proposição inova e muito!

 


[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. Ver. Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.)

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