A fiança fidejussória também pode ser chamada garantia civil. Trata-se de uma espécie de garantia contratual, por meio da qual um terceiro, que não faz parte da relação contratual, oferece seu próprio patrimônio como garantia das obrigações assumidas pela contratada perante a contratante.
Nesse caso, ocorrendo a aplicação de uma multa à contratada, por exemplo, e não havendo o seu pagamento espontâneo, a contratante cobrará o pagamento desta multa do “terceiro garantidor” que, nesse caso, responderá por essa obrigação com o seu próprio patrimônio.
Adotada a fiança fidejussória, a carta fiança fidejussória é um documento por meio do qual o acordo entre as partes envolvidas (contratada e terceiro) é estabelecido.
Atente-se, no entanto, que essa espécie de garantia contratual, em que pese possa ser adotada nos contratos de direito privado, não é admita nos contratos administrativos. Isso porque, a nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021, a exemplo do já fazia a Lei nº 8.666/1993 (art. 56, § 1º, inciso III), define o rol de espécies de garantias que poderão ser adotadas pelo contratado e ao se referir a carta fiança restringe sua aceitação apenas à “fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil” (art. 96, § 1º, inciso III).
A fiança bancária possui a natureza jurídica similar à da fiança fidejussória, contudo, o terceiro que assume a função de “garantidor” das obrigações assumidas pela contratada necessariamente deverá ser um “banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil”.
No âmbito do Poder Judiciário, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região decidiu, no julgamento do Reexame Necessário nº 0009814-69.2012.4.05.8300, que as garantias prestadas por instituições sem natureza bancária não podem ser aceitas pela Administração Pública, haja vista a Lei nº 8.666/1993 admitir como espécie de garantia contratual apenas a fiança bancária.
Mais recentemente, no Acórdão nº 597/2023, o Plenário do Tribunal de Contas da União também decidiu ser “irregular a aceitação de cartas de fiança fidejussória, de natureza não bancária, como garantia de contrato administrativo, uma vez que não correspondem ao instrumento de fiança bancária (art. 56, § 1º, inciso III, da Lei 8.666/1993 e art. 96, § 1º, inciso III, da Lei 14.133/2021), emitida por banco ou instituição financeira autorizada a operar pelo Banco Central do Brasil”.
Do Voto proferido pelo Ministro Relator, acolhido pelos seus pares, destacam-se os seguintes trechos:
26. Não há dúvida quanto à inidoneidade das ‘cartas de fiança fidejussória’ como garantias de contratos administrativos. O art. 56, § 1º, da Lei 8.666/1993 só legitima o fornecimento de garantias na forma de caução (em dinheiro ou títulos públicos), seguro-garantia ou fiança bancária. A exigência foi repetida no art. 96, § 1º, da Lei 14.133/2021, cujo inciso III ainda reforça que deve ser a ‘fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil.’
27. Entretanto, as ‘cartas de fiança fidejussória’ concedidas pelos estabelecimentos considerados neste processo, que não são legalmente autorizados a atuar como bancos, não se constituem, evidentemente, de fianças bancárias, se fazendo inaptas à garantia de contratos públicos.
28. São, verdadeiramente, estabelecimentos fora do sistema financeiro, sem regulamentação específica e sobre os quais não há nenhum controle do poder público acerca da sua gestão econômica e capacidade de honrar compromissos, configurando-se alto risco de que as garantias por eles emitidas se tornem inúteis.
Vale registrar que, o reconhecimento da irregularidade da aceitação de fiança fidejussória como garantia contratual em contratos administrativos não constitui novidade no âmbito do Tribunal de Contas da União. A respeito do assunto, no Acórdão nº 498/2011 – Plenário, a Corte de Contas Federal expediu a seguinte manifestação:
1.4. Determinações/Recomendações/Orientações:
(…)
1.4.2. alertar à Direção do (…) sobre a necessidade de se efetuar pesquisa junto a Superintendência de Seguros Privados-SUSEP, no caso de seguro-garantia, e junto ao Banco Central do Brasil, quando se tratar de fiança bancária a ser apresentada em contrato, em atendimento ao disposto no art. 56, § 1º, incisos II e III, da Lei 8.666/93, objetivando verificar se a instituição prestadora da respectiva garantia está devidamente autorizada a fazê-lo;” (Destacamos.)
Nos cursos promovidos pela Zênite envolvendo o planejamento e a fiscalização dos contratos administrativos, a fim de auxiliar os agentes públicos no exame da regularidade da garantia contratual apresentada pela contratada, em especial quando prestada por meio de fiança bancária, sempre indicamos, como referência, a previsão contida na Portaria da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional nº 644, de 1º de abril de 2009, alterada pela Portaria PGFN nº 1378, de 16 de outubro de 2009, a qual “Estabelece critérios e condições para aceitação de carta de fiança bancária no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
De acordo com esse ato normativo, a “carta de fiança bancária deverá ser emitida por instituição financeira idônea e devidamente autorizada a funcionar no Brasil, nos termos da legislação própria” (art. 2º, § 2º).
Para se certificar da idoneidade da instituição, recomendamos consultar a certidão de autorização de funcionamento, emitida eletronicamente pelo Banco Central do Brasil às instituições financeiras e disponível no sítio eletrônico https://www.bcb.gov.br/fis/info/certiaut.asp?frame=1.
Considerando a sujeição dos agentes públicos que atuam nos processos de contratação ao princípio da legalidade e o fato de a Lei nº 14.133/2021, assim como a Lei nº 8.666/1993, restringir a aceitação da fiança como garantia contratual apenas quando emitida por “banco ou instituição financeira autorizada a operar pelo Banco Central do Brasil”, sugerimos instituir formalmente, no âmbito do órgão ou entidade contratante, procedimento formal de verificação de atendimento a essa condição.
Para tanto, propomos a emissão de ato normativo interno, definindo o agente competente para o recebimento da garantia contratual prestada por meio de carta fiança e indicação dos requisitos que deverão ser atendidos, bem como dos procedimentos que deverão ser adotados para verificação dessas condições.