Vimos no último post que as soluções do GRUPO I, tidas como comuns, homogêneas, uniformes e padronizadas são aquelas que podem ser definidas, comparadas e julgadas por meio de critérios objetivos, o que garante o tratamento isonômico e impõe, consequentemente, que a contratação seja realizada por meio de licitação.
Conforme prometido, iremos tratar agora das soluções do GRUPO II e, finalmente, adentraremos na tão falada inexigibilidade.
Parece vago, não é?! Mas tudo fica mais simples com um exemplo. Há alguns dias atrás decidi que precisava ler um livro para melhorar minha capacidade de concentração.
Meu primeiro passo foi procurar na internet livros que tratassem do assunto. Afinal, a internet oferece a comodidade de não ter que se deslocar e a possibilidade de buscar o menor preço em diversas lojas virtuais.
Essa minha primeira busca “caiu por terra” quando acessei as sinopses dos livros nos sites das livrarias. Compartilho com vocês algumas delas:
“Tomando como base pesquisas científicas, este livro apresenta uma análise do que atrapalha a concentração e revela o que é necessário fazer para recuperar essa arte.”
“Este livro apresenta vários exercícios de treinamento da concentração, que vão desde a forma de respirar, passando pelo treinamento dos sentidos (audição, visão, tato), até treinamentos da memória e de atividades múltiplas. Os exercícios apresentados devem ser realizados na sequência apresentada nos capítulos. Ao longo do texto, vários exemplos de problemas cotidianos são apresentados, e frases positivas que elevam o pensamento são citados para ensinar a condicionar o pensamento positivo.”
“visa ajudar as pessoas com dificuldade de concentração a aumentarem sua atenção e produtividade com um método que mescla técnicas milenares comprovadas com pesquisas nos campos da psicologia, biologia e neurociência.”
Agora pergunto: qual livro vocês escolheriam? Que critério seria possível utilizar para realizar essa escolha?
“O livro cuja sinopse fosse mais detalhada ou a mais curta.” A sinopse é apenas um resumo do livro, não é possível avaliar o conjunto da obra por ela.
“O livro do autor mais famoso.” Eu não conhecia nenhum.
“O livro que tivesse mais páginas.” Tamanho não é documento.
“O livro de menor preço.” Será que a escolha pelo menor preço satisfaria minha necessidade?
“O livro mais vendido.” O fato de muitos terem lido não é garantia de que serviria para mim.
Enfim, cheguei à conclusão de que deveria me deslocar a uma livraria, verificar o sumário, folhear e ler de forma sucinta cada um dos livros. Por quê? Porque nenhuma das sinopses (definição/descrição) ou dos critérios objetivos de julgamento que sugeri acima seria suficiente para garantirque a escolha atenderia minha NECESSIDADE.
Sabem por quê?
Porque o conteúdo/informação trazido por um livro não é passível de definição objetiva. Podemos dizer que esperamos que o livro trate de determinado assunto de forma clara e objetiva, por exemplo. Como apurar essa clareza e objetividade senão avaliando a obra de forma subjetiva? Afinal, é nosso intelecto que fará isso por meio da leitura.
Porque o conteúdo/informação trazido por um livro não é passível de comparação objetiva. É possível comparar o conteúdo de livros sem considerar a opinião/impressão de quem analisa? Como dizer, por exemplo, qual o livro de José Saramago que melhor retrata a natureza humana? Novamente, não há como comparar sem realizar uma análise subjetiva.
Porque o conteúdo/informação trazido por um livro não é passível de julgamento por critérios objetivos. A escolha do livro que tivesse o menor preço, o maior número de páginas, a maior fonte (tamanho da letra) garantiria o atendimento da minha NECESSIDADE? Sabemos que não.
Na livraria tive oportunidade de verificar o sumário, folhear e ler de forma sucinta cada um dos livros e pude fazer a escolha mais acertada para satisfação da minha necessidade. No entanto, esclareça-se, que essa escolha não se baseou em critérios objetivos, mas sim subjetivos. Escolhi o livro que se mostrou mais apto a satisfazer minha necessidade, mas não empreguei nenhum critério objetivo para isso.
Alguns vão dizer que eu ainda posso comprar o livro pelo menor preço. Sim, eu posso, mas só depois de ter escolhido o livro que pretendo comprar. Livro (o conteúdo) não se escolhe pelas suas características objetivas, ao contrário, livro se escolhe por características subjetivas.
As soluções do GRUPO II são assim, não podem ser definidas, comparadas e julgadas por meio de critérios objetivos, porque esses critérios objetivos não garantem o atendimento da NECESSIDADE.
Vimos que para realizar licitação precisamos que a solução seja do GRUPO I, ou seja, deve ser possível definir, comparar e julgar por meio de critérios objetivos, de forma a garantir tratamento isonômico.
Penso que o livro é um bom exemplo de objeto que não pode ser definido, comparado e julgado de forma objetiva. Aliás, o que é um livro? Vamos ver a definição trazida por um dicionário: “A obra intelectual publicada sob forma de livro.”[1] Então o livro “nada mais é” que uma obra intelectual.
Sim, estamos querendo dizer que os trabalhos intelectuais pertencem ao GRUPO II e não podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos. Ora, se não é possível utilizar critérios objetivos de julgamento, como poderíamos realizar licitação?!
Por meio desse post adentramos, de forma ainda sútil, no universo da inexigibilidade. Há necessidade de explorar e aprofundar mais, o que faremos na sequência. Por hora os deixo em reflexão, porque sabemos que a proposição inova e muito!
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. Ver. Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.)
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6 comentários
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Hugo
13 de setembro de 2013
Alessandra, perdoe a informalidade, mas gostei muito de sua narrativa ! Adorei a sua exposição despojada, convidativa à reflexão e também carregada de boa dose emotiva, devido ao estilo e ritmo empregados. Pude vislumbrar que além do conhecimento da matéria trazida a debate, não se cuidou apenas de nela se lançar artigos de lei, conceitos e pressupostos de Direito, de forma asséptica e árida. Ao contrário, trata-se de um convite agradável à leitura e reflexão sobre o tema proposta. Belo exemplo e desenvolvimento. Felicidades !
Caro Hugo,
Primeiramente, obrigada por acompanhar o nosso blog!
Agradeço também as considerações feitas acerca do texto, porque servem de estímulo para que continuemos trabalhando no sentido de tornar menos árido o difícil trabalho de realizar contratações públicas.
Aproveito a oportunidade para convidá-lo a ler também o post nº 7 da série, em que utilizei um vídeo para demonstrar que a descrição objetiva de serviços intelectuais pode limitar: 1) o trabalho de quem cria 2) e o benefício que pode ser obtido pelo contratante...
Aguardo seus comentários!
Até a próxima,
Alessandra Corrêa Santos
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Zilvaneide Valentin
13 de setembro de 2013
Na minha Instituição as Inexigibilidade tiveram pareceres desfavoráveis pelos motivos:
- Por não haver comparativos de preços, com base na Orientação Normativa nº 017 da AGU, o comparativo é obrigatório constar nos autos?;
- Por ser inexigível posso comparar com produto similar?
- Não havendo comparativo de mercado para o mesmo produto, considera-se a aquisição fracassada?
Muito Grata, Zilvaneide.
Cara Zilvaneide,
Primeiramente, obrigada por acompanhar nosso blog!
Sim, é obrigatório constar dos autos a demonstração da compatibilidade dos preços (art. 26, parágrafo único, inc. III, da Lei nº 8.666/93). Pelo que foi possível depreender das suas perguntas, a contratação será feita com fornecedor exclusivo de objeto também exclusivo, situação em que se confirma a aplicação da Orientação Normativa nº 17, da AGU, que permite que a justificativa do preço seja feita por meio da apresentação de outros contratos, notas fiscais ou outro documento que comprove os preços praticados pelo particular em outras contratações, sejam públicas ou privadas.
Cordialmente,
Alessandra Santos.
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Helena do Rocio Caseli Pereira
13 de setembro de 2013
Faz o autor um paralelo entre a decisão de contratar por inexigibilidade e a escolha de livros que objetivavam aumentar a concentração, como sendo uma decisão subjetiva, o que não é, explico.
A contratação por inexigibilidade tem regras objetivas descritas na Lei 8666/93 art. 25, em casos específicos e somente para este tipo de aquisição de bem ou serviço elencados abaixo. Todavia para aquisição de bens ou serviços existem várias ferramentas, aí sim entra o poder discricionário do administrador, mas ainda assim existem regras.
O Decreto 3.555 que aprovou o regulamento da modalidade de licitação pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, ao qual somos subordinados, segundo anexo I, art. 1º do regulamento é uma delas.
Logo existem leis ordinárias, decretos e regulamentos que estabelecem a forma de contratação pública.
Quanto a inexigibilidade:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Com relação aos livros citados - que objetivam aumentar a concentração - tenho a considerar:
O primeiro livro eu não escolheria porque se procurasse algo para melhorar a concentração este livro faria com que eu ficasse atrapalhada, é o que diz a sinopse , que estabelece ao que se propõe a obra... recuperar a arte de atrapalhar a concentração"...definitivamente não serve!!!
“Tomando como base pesquisas científicas, este livro apresenta uma análise do que atrapalha a concentração e revela o que é necessário fazer para recuperar essa arte.”
O segundo livro, se for de Ioga, pois mescla exercícios com situações do cotidiano, trazendo frases para mentalização positiva, se fosse para uma pessoa negativa, ou estivesse depressiva, talvez indicasse para alguém comprar e presentear, caso esta pessoa gostasse de ler, porque na maioria das vezes a pessoa depressiva sequer tem vontade de ler.
E caso goste de ler para o depressivo não acredito neste método, porque já está pesado com seus problemas e ainda trás situações que são corriqueiras...mais problemas( normalmente o depressivo está depressivo com situações corriqueiras) não sei se frases positivas poderiam ajudar...isso dependeria muito do grau de depressão, da pessoa, da idade, do estilo, dos costumes, das crenças... se a pessoa aceitasse um psicólogo sempre seria uma opinião profissional...mas leva tempo para obter o resultado e a pessoa tem que querer. - não compraria.
“Este livro apresenta vários exercícios de treinamento da concentração, que vão desde a forma de respirar, passando pelo treinamento dos sentidos (audição, visão, tato), até treinamentos da memória e de atividades múltiplas. Os exercícios apresentados devem ser realizados na seqüência apresentada nos capítulos. Ao longo do texto, vários exemplos de problemas cotidianos são apresentados, e frases positivas que elevam o pensamento são citadas para ensinar a condicionar o pensamento positivo.”
O terceiro livro como gosto de ciência, compraria para ver o que falam os cientistas a respeito das técnicas milenares .
“visa ajudar as pessoas com dificuldade de concentração a aumentarem sua atenção e produtividade com um método que mescla técnicas milenares comprovadas com pesquisas nos campos da psicologia, biologia e neurociência.”
Fazendo uma ponte entre compra de livros e a contratação por inexigibilidade diria...leiam mais sobre os casos possíveis de inexigibilidade e tentem adequar o objeto, nos critérios da lei, e cuidem das pessoas de modo mais personalizado, quanto a comprar pela internet se a pessoa é muito visual ou detalhista ou mesmo preocupada, talvez não o faça!
Finalizando para contratar objetos, decidimos por qual meio será dependendo do nosso perfil, na administração pública a lei da conta.
Quanto as pessoas elas são únicas, cada uma tem seu tempo, sua história, suas possibilidades...é caso a caso.
Cara Sra. Helena,
Primeiramente, agradecemos por acompanhar o nosso blog!
Quanto às ponderações lançadas, é inviável a elaboração de uma resposta porque teríamos que retomar todo o raciocínio desenvolvido nos posts 1-5 da série "Quem tem medo da inexigibilidade?".
Cordialmente,
Alessandra Santos.
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