Pior que uma obra não iniciada é uma obra inacabada.
Se antes os gestores públicos buscavam solução para um problema e/ou uma necessidade da Administração, agora, além de continuarem sem o empreendimento público projetado para solucionar a necessidade/problema, são “brindados” com os reflexos legais, técnicos, econômicos e administrativos da obra paralisada.
Obra paralisada tem que ser administrada. Há gastos com manutenção, conservação, vigilância etc. Existem custos adicionais para sua retomada, esforço imensurável dos agentes públicos de gestão, dos profissionais técnicos, do corpo jurídico. Isso tudo sem contar as intermináveis disputas judiciais e, evidentemente, a forte pressão dos órgãos de controle.
Para além disso, os agentes políticos arcam com o custo de reputação. Os prestadores de contas, públicos e privados, absorvem as multas e débitos imputados pelas instituições fiscalizadoras. Mais ainda, existem os custos individualizados oriundos dos processos administrativos e/ou judiciais (advogados, peritos, taxas, …), e, por fim, mas não menos importante, os dramas pessoais e a rápida execração pública dos agentes e das empresas contratadas.
A sociedade paga caro também. Tem que arcar com o prejuízo do investimento desastroso para o qual não vê retorno. A impossibilidade de colocar um filho na creche, a ausência de um posto de saúde em distância razoável, a inexistência do saneamento básico que impeça a proliferação de doenças. Enfim, o custo de um país que ainda não conseguiu pavimentar o melhor caminho para seus cidadãos.
Recentemente o Acórdão nº 1.079/2019 do Plenário do TCU registrou que o Brasil possui 37,5% de seus contratos de obras públicas com o status de inacabados. Tal indicador é demasiado instigante quando contrastado com o fato de nosso país ter produzido inúmeras maravilhas da engenharia, superado limites da natureza, ter edificado obras icônicas e históricas, e, depois de tantos marcos e conquistas, inusitadamente, estamos diante de uma situação para a qual ainda não se vislumbrou saída satisfatória.
No cerne da questão está o “Apagão das Canetas”.
Precisamente descrito pelo Ministro Bruno Dantas (TCU), o fenômeno tem sido objeto de esforço de grandes doutrinadores e profissionais de relevo, a exemplo de Fernando V. Guimarães, Floriano A. Marques e Rafael V. Freitas. Entre os motivos principais da paralisia, o Grupo de Trabalho COINFRA-CBIC/TCU destacou (i) o rigor das ações do controle externo sobre as atividades-meio e (ii) a falta de assistência jurídica aos atos praticados pelos administradores.
Sendo tais motivos incontestes, há que se reconhecer que o embate entre controladores e controlados era e é inevitável, bem como seus efeitos não podem ser desconsiderados. Com relação às decorrências positivas, destaque para:
– a consolidação da autonomia e independência das instituições de controle;
– as sanções impostas aos agentes público/privados comprovadamente corruptos e
– a disseminação e apoio às novas e modernas políticas de governança.
Com relação aos reflexos nocivos:
– o pífio investimento em infraestrutura bastante afetado pela insegurança jurídica;
– o desincentivo ao ingresso de gestores qualificados no setor público;
– o desestímulo às iniciativas daqueles que integram os quadros do Estado e
– as dezenas de milhares de obras paralisadas.
De toda sorte, a verdade é que os setores jurídicos e técnicos dos órgãos/entes da Administração e mesmo as instituições de controle e fiscalização não conseguem responder à altura do problema. Tal decorre porque a busca por soluções insiste no “aperfeiçoamento” legislativo (vide PL nº 1.292/1995), como se pelo mero desejo do legislador a Administração Pública mudasse, automaticamente, seu patamar de capacitação e planejamento.
A bem da realidade, o simples fato de o Brasil ser um país continental com mais de 5.000 municípios e dezenas de milhares de órgãos e entes públicos já seria suficiente para inferir-se à impossibilidade de resultados práticos. Realidades distintas, problemas diversos, soluções diferentes. Por óbvio.
O núcleo do problema, pois, é evidente: a dissonância entre o que se pretende e o que é de fato praticável.
Explica-se. Exigir do prefeito de um pequeno município situado nos rincões do Brasil que se empreenda uma estruturação e manutenção de equipes técnicas aos moldes dos times disponíveis em grandes centros urbanos não é razoável, pois desconsidera inúmeras variáveis intervenientes e que não são do conhecimento do controlador, em que pese nem ser esse o seu mister. Aliás, não por outra razão, naqueles temas onde a lei permite o exercício da discricionariedade, a legitimidade repousa nos gestores locais, jamais nos controladores remotos.
E aqui está o verdadeiro imbróglio do Apagão das Canetas. Pois, quando a leitura da norma é objetiva, não há qualquer conflito entre controladores e controlados. Porém, quando a lei tem carga subjetiva, não pode (não poderia) o controlador sancionar o controlado com base em divergência de interpretação. E, por mais que se negue, na prática a sanção ocorre. É que, mesmo quando ao final de um processo fiscalizatório o jurisdicionado não seja responsabilizado, o tormento e os custos pessoais não lhe serão ressarcidos.
Eis link para:
“O Labirinto das Obras Públicas”
No link que leva à publicação de minha autoria, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) vai além do diagnóstico do problema ora introduzido. Com alicerce das premissas da governança pública e da disciplina da engenharia legal, são apresentadas soluções com suporte da legislação já existente. Adicionalmente, o trabalho é enriquecido com a proposição de três metodologias para temas relevantes que afetam o cotidiano das obras públicas brasileiras.
Boa leitura!