O art. 82, § 6º da Lei nº 14.133/21 estabelece que:
“O sistema de registro de preços poderá, na forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade.” (Destacamos.)
O Decreto Federal nº 11.462/2023, que regulamenta o tema, repete essa previsão:
“Art. 16. O SRP poderá ser utilizado nas hipóteses de contratação direta, por inexigibilidade ou por dispensa de licitação, para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou uma entidade.” (Destacamos.)
Diante disso, surge a dúvida: se a demanda for muito específica e dirigida a apenas um órgão, por exemplo, não seria possível, mesmo assim, formalizar diretamente uma ata de registro de preços com base em dispensa ou inexigibilidade?
Essa questão é controversa.
A Advocacia-Geral da União (AGU), no Parecer nº 00039/2024/DECOR/CGU/AGU, adotou uma interpretação literal:
“É possível a utilização do Sistema de Registro de Preços para a contratação direta, desde que haja a pluralidade de órgãos ou entidades.” (Destacamos.)
Ou seja, segundo a AGU, a exigência de mais de um órgão ou entidade é uma condição indispensável para uso do SRP em contratações diretas, pois o § 6º do art. 82 da Lei nº 14.133/21 traz regra clara e objetiva. Interpretar de outro modo seria, segundo o parecer, negar vigência ao texto legal.
No entendimento da Zênite, a análise adequada do dispositivo pressupõe interpretação teleológica, que considere não apenas a regra isoladamente, mas o tratamento conferido pelo regime jurídico para as dispensas e inexigibilidades de licitação, bem como para o adequado enquadramento em registro de preços.
Sob essa perspectiva, se no cenário fático (i) estão configurados todos os pressupostos que legitimam a adoção da dispensa ou inexigibilidade de licitação e, ainda, (ii) o instrumento jurídico que melhor ampara a demanda é o sistema de registro de preços, conforme critérios e diretrizes definidos em Lei, então, é necessário interpretar o art. 82, § 6º considerando essas autorizações legais.
Nesse sentido, a autorização para formalizar ata de registro de preços via dispensa ou inexigibilidade abrigando demanda de mais de um órgão ou entidade é uma possibilidade, mas não necessariamente a única hipótese.
Joel de Menezes Niebuhr[1]também sustenta esse ponto de vista. Segundo ele:
“A norma que se extrai do § 6º do artigo 82 da Lei nº 14.133/2021 não proíbe registro de preços precedido de contratação direta para apenas um órgão ou entidade. (…) Ela veicula um permissivo para uma hipótese especial e não traz em si proibição para outras hipóteses não versadas no seu enunciado, desde que sejam respaldadas pela legalidade.” (Destacamos.)
Niebuhr argumenta que, se há fato que justifica a contratação direta e, ao mesmo tempo, justifica o uso do SRP, é possível utilizar ambos, mesmo que a ata atenda apenas um órgão. Assim, o § 6º deve ser visto como uma autorização para um caso específico – e não como uma proibição de outras hipóteses.
Nesse mesmo sentido, José Anacleto Abduch Santos, em artigo publicado no Blog da Zênite,[2] destaca que a decisão de envolver mais de um órgão na adesão ao Sistema de Registro de Preços (SRP) insere-se no âmbito da discricionariedade administrativa. Segundo o autor, sendo o caso enquadrado nos arts. 74 ou 75 da Lei nº 14.133/2021 (dispensa ou inexigibilidade de licitação) e estando o objeto compatível com o regime do SRP, é possível formar ata por contratação direta, mesmo que apenas um órgão esteja envolvido.
Conforme esse entendimento, negar essa possibilidade com base em interpretação literal compromete princípios como eficiência, razoabilidade e economicidade, ao impedir o uso do SRP mesmo quando isso for juridicamente cabível e vantajoso.
Portanto, embora o tema seja controverso, a Zênite entende que é juridicamente possível formalizar ata de registro de preços por contratação direta (dispensa ou inexigibilidade), mesmo quando destinada a apenas um órgão ou entidade.
[1] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2024, p. 901 e 902.
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