O art. 87, da Lei nº 8.666/93, prevê que a inexecução total ou parcial dos contratos administrativos poderá resultar na aplicação de sanções ao indivíduo contratado.
A Lei, ao indicar o sujeito sobre quem recairá a sanção, utiliza a expressão “contratado”, a qual não gera maiores problemas, quando esse indivíduo é pessoa, física ou jurídica, de direito privado.
Ocorre que em dadas situações, órgãos e entidades da Administração contratam com outros órgãos e entidades da Administração. Dito de outro modo, há oportunidades em que pessoas jurídicas de direito público se vinculam por meio de relações contratuais. E daí surge a seguinte dúvida: nesses casos, a inexecução do ajuste por parte do “contratado” gera a possibilidade de ele sofrer sanção administrativa, nos termos do art. 87, da Lei de Licitações?
O assunto é consideravelmente polêmico.
O professor Daniel Ferreira (Sanções Administrativas. Malheiros, 2001. p. 70) ensina que “Genericamente falando, podem ser sujeitos ativos de infração administrativa tanto as pessoas humanas quanto as jurídicas”, afirmando ainda que, dentre as pessoas jurídicas, “(…) incluem-se (…) as de direito público…”, enfatizando que “(…) nada há a afastar a possibilidade de figurarem como sujeitos passivos de uma sanção (tanto por determinação legal de responsabilidade como pelo voluntário de cometimento de um ilícito administrativo).”
Na mesma oportunidade, o autor cita ainda trecho da obra de Régis Fernandes de Oliveira, segundo o qual “Inexiste qualquer imunidade legal ou constitucional que ampare as pessoas jurídicas de direito público com relação às infrações e sanções administrativas”.
Há, contudo, questões que merecem ser ponderadas, e que são capazes de problematizar o posicionamento acima.
A aplicação de sanções no bojo dos contratos administrativos traduz uma prerrogativa da Administração contratante, a ser exercida com base no art. 58, inc. IV, da Lei nº 8.666/93, e sob a luz do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Ora, é possível afirmar que essa supremacia – e consequentemente, a prerrogativa de aplicar sanções – persiste quando todas as partes contratantes são órgãos e entidades da Administração, exercendo suas respectivas funções administrativas? É possível defender que não.
Em contrapartida, pode-se arguir que nem todas as espécies de sanções administrativas se submeteriam ao raciocínio acima, já que as multas contratuais, em verdade, engendrariam cláusulas penais, destinadas a reduzir os prejuízos ocasionados por eventual inadimplemento contratual, e cujo exercício não caracterizaria uma prerrogativa. Nessa seara, ao menos multas contratuais seriam aplicáveis nos contratos administrativos firmados entre pessoas jurídicas de direito público.
Todavia, a Súmula nº 226, do Tribunal de Contas da União, expressa entendimento em sentido contrário, ao prever que “É indevida a despesa decorrente de multas moratórias aplicadas entre órgãos integrantes da Administração Pública e entidades a ela vinculadas, pertencentes à União, aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios, quando inexistir norma legal autorizativa.”
Há ainda questões de ordem prática que denotam aparente incompatibilidade entre o regime sancionatório previsto na Lei nº 8.666/93. Imagine-se, por exemplo, determinada autarquia, criada com a finalidade de confeccionar diários oficiais, sem auferir lucro com isso. Imagine-se ainda que essa autarquia descumpra um contrato firmado com outra entidade da Administração Pública.
Nesse caso, eventual aplicação de declaração de inidoneidade pela entidade contratante, por exemplo, pode colocar em xeque o exercício da finalidade precípua da autarquia, a qual ficaria impedida de firmar contratos com outros órgãos e entidades para confeccionar diários oficiais. Grosso modo, seria o Estado impedindo ele próprio de exercer sua função administrativa.
O assunto, como se vê, é complexo e polêmico, e merece ser alvo de reflexões por parte dos operadores do direito, sejam eles agentes públicos ou não.
E você, cliente Zênite, o que pensa a respeito do assunto?